São Paulo, domingo, 14 de abril de 1996
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Queremos ajudar a pôr o Brasil na história, diz baterista do Sepultura

MARCELO REZENDE
DA REPORTAGEM LOCAL

Hoje, ao menos em parte do mundo, o mais popular disco de um grupo brasileiro é falado em inglês e pertence a um gênero que se distancia de qualquer tradição nacional: o heavy metal.
"Roots" (Raízes), o sexto trabalho da banda mineira de rock Sepultura conseguiu, em apenas 15 dias, a façanha de estar entre os discos mais vendidos em toda Europa. Foram mais de 500 mil cópias entre os meses de fevereiro e março, ultrapassando -como no caso da parada inglesa- Michael Jackson e Madonna, segundo a revista "Music and Midia".
As raízes se referem a um projeto que levou o Sepultura -uma banda de quatro músicos mais conhecida fora do país, com seis discos, sempre em inglês- ao encontro dos índios xavantes, em uma aldeia do Estado do Mato Grosso. Após Max e Igor Cavalera, Paulo Jr. e Andreas Kisser serem recebidos como "estranhos homens brancos", por seus cabelos compridos e tatuagens, gravaram uma série de rituais da tribo.
Sons que seriam mixados com guitarras distorcidas e, também, ao berimbau e à Timbalada do baiano Carlinhos Brown, resultando em novo tipo de fusão que, para a imprensa européia, seria reconhecido como "raízes brasileiras". Mas ainda parte da tradição internacional do metal.
Um projeto motivado por uma única constatação: a de que tanto o rock quanto a MPB andavam "chochos" demais, como o baterista da banda Igor Cavalera falou à Folha na última terça-feira, por telefone, da cidade de Phoenix, nos EUA, durante o intervalo dos ensaios para uma turnê mundial que se inicia no dia 13.
Na entrevista, Igor explica o que significa ser parte de um novo conceito de MPB e diz que o Sepultura está ajudando a "colocar o Brasil na história do mundo".
*
Folha - Você acha que "Roots" é um trabalho brasileiro?
Igor Cavalera - Eu acho que o "gancho" usado para divulgar o disco, principalmente antes de ser lançado, foi o "das coisas mais brasileiras". Mas nós não fizemos um disco de World Music. Tudo é mixado, tudo é distorcido... e com toda aquela influência.
Folha - Houve o desejo de aproximação da cultura brasileira, de criar algo inteiramente novo na mistura com o rock pesado?
Cavalera - A gente estava achando que a música andava muito chocha. Uma das razões da sobrevivência do rock é que essa música sempre incorporou todo tipo de influência.
Eu, que sou baterista, me sinto muito mais à vontade tocando um ritmo mais pesado e que ao mesmo tempo tem uma influência tribal, de coisa brasileira, do que tentando tocar como qualquer baterista "gringo".
Folha - E para você a música brasileira também estava "chocha"?
Cavalera - Eu acho que sim, tudo estava bem "chocho", sempre o mesmo "arroz com feijão". O Barão Vermelho lançava um disco, o Paralamas... e não mudava coisa nenhuma. E foi aí que apareceram grupos como o Chico Science. Acho que tudo isso fez muito bem para a música brasileira.
Folha - São grupos que misturam a música internacional com a música regional, de raiz brasileira. A mistura é a saída?
Cavalera - Acho que sim, mas não só a mistura musical. A mistura em todos os sentidos. O Brasil tem um folclore muito, muito rico. Mas não é só o lance da música brasileira, que é sempre muito legal, porque é muito forte.
Acho que ao mesmo tempo a coisa tem a ver com rebelião. A música é um lado legal, mas não acaba aí.
Folha - E em nenhum momento isso pode se tornar algo artificial?
Cavalera - Não! Fica maravilhoso. Se alguém me conta que uma banda mistura tal coisa com tal coisa eu sempre tento escutar, porque na verdade acho que isso é o interessante.
Folha - O que significa a "volta às raízes", a mistura da música pesada com sons brasileiros?
Cavalera - Nós aprendemos muito cedo que você pode acabar se danando se quiser agradar o gosto de outras pessoas. O momento é de experimentar.
Folha - Há uma letra no disco que diz "nunca se esqueça de onde você veio".
Cavalera - Isso pode ser entendido tanto como a raiz da música, do povo brasileiro, quanto da própria história do Sepultura. Não é só a idéia de buscar um som brasileiro. É ter a raiz plantada e depois ter frutos e mais frutos.
Folha - Você acha que, no futuro, os ritmos tipicamente brasileiros, como samba e chorinho, tendem a não permanecer mais puros?
Cavalera - Hoje já há algumas diferenças, como o Olodum ser diferente da Timbalada. Acho que ainda haverá o puro samba. E também a grande mistura. Um não rouba o lugar do outro, e nem o tradicional fica desmerecido.
Eu não gosto daquele cara que fica choramingando com o sambinha no fundo. Sempre gostei de escola de samba, entendeu? Duzentos caras tocando bateria, o que mexe com você por dentro. Algo que é mais forte do que qualquer som eletrônico.
Folha - O Sepultura é uma banda brasileira?
Cavalera - Acho que desde a primeira turnê pela Europa, mesmo tocando heavy metal e cantando em inglês, muita gente falava que "o swing que vocês têm é diferente dos outros". Quando um amigo escutou "Roots" pela primeira vez, em São Paulo, disse que era uma World Music Monstro (risos).
Folha - Para você, ser chamado de MPB é algo bizarro?
Cavalera - Eu acharia muito estranho. Às vezes se fala que é um "som alternativo". Mas o que é alternativo? A mesma coisa com a MPB. Se você for olhar ao pé da letra... Há alguns anos a MPB era um estilo de música e não todo tipo de música feita no Brasil. Um "estilinho". Algo mais calmo que tocava no rádio.
Então é um pouco assustador quando se fala que o Sepultura é MPB. Mas se você for parar para pensar, é sim. O que nos deixa felizes agora é que estamos ajudando a colocar o Brasil na história do mundo.

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