São Paulo, domingo, 14 de abril de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

As artimanhas por trás da notícia

Jornalista avalia papel político da imprensa nos EUA

KEVIN PHILLIPS
ESPECIAL PARA "NYT BOOK REVIEW"

Em 1991, F. J. Dionne Jr., hoje colunista do "The Washington Post", inaugurou a presente onda de livros sobre "quem e o quê os norte-americanos odeiam" com o livro "Why Americans Hate Politics" (Por Que os Americanos Odeiam Política). Desde então, tivemos livros sobre os motivos do desprezo por Washington, advogados, Wall Street, lobistas estrangeiros e coisas do gênero.
O gênero vem florescendo. No final de 94, uma pesquisa Time/CNN revelava os grupos cuja influência em Washington os americanos consideram excessiva: grandes corporações, imprensa, Wall Street, advogados, interesses estrangeiros e os ricos. Agora surge James Fallows, editor de "The Atlantic Monthly" em Washington, para enfrentar um desses transgressores com "Breaking the News: How the Media Undermine American Democracy" (Dando as Notícias: Como a Mídia Solapa a Democracia Americana). Na capa, uma manchete alardeia: "Por que os Americanos Odeiam a Mídia".
Apesar da exuberância, não é um mau livro. Pelo contrário: demonstra-se útil em parte pela simples razão de que seu alvo -o poder da imprensa e de seus principais guerreiros verbais- é motivo de preocupação entre as pessoas comuns. Fallows ataca programas como shows de calouros em que os participantes sabem que estão apenas representando. Para a maioria dos talk shows, afirma um participante franco, "boa TV é uma coisa, análise intelectual é outra. Eles não estão à procura da pessoa mais capacitada intelectualmente; procuram uma pessoa que soe intelectual sem confundir as coisas com exibição de erudição excessiva. Eu sou uma dessas pessoas não muito eruditas. Sou perfeito!".
Mas, como os jornalistas de massa que ataca, Fallows traz todas as informações suculentas -os grandes nomes, as estimativas de salário, as fraquezas pessoais- bem à frente (ou, ao menos, antes da metade do livro).
No começo do livro, o autor cita Charles Prestwick Scott, que editou o "Manchester Guardian" por meio século: "A função de um bom jornal, e portanto a de um bom jornalista, é ver a vida com firmeza, e vê-la por inteiro". Teoricamente, a afirmação continua a ser válida. No entanto, as palavras de Scott vêm do jornalismo do século 19, uma época em que os jornais haviam disparado -do patamar modesto do século 18- a uma circulação imensa, e ainda estava longe a competição entre a mídia eletrônica e a tecnologia da informação. Desde então, a convergência de duas forças distintas enfraqueceu a tese de Scott de uma maneira que Fallows poderia ter explorado melhor. Primeiramente, a imprensa tornou-se apenas um dos competidores na megaindústria da informação, dominada por grandes corporações e pela busca do lucro, e incluindo de entretenimento puro e simples a serviços de informação on-line. Em segundo lugar, há o problema correlato de como os segmentos de notícias e análise da indústria da informação, especialmente a mídia eletrônica de massa, encaram a exigência de lucro.
Além disso, não é "a mídia" como um todo que os americanos odeiam. As pessoas do noroeste do Estado de Connecticut não odeiam seu jornal local. Cozinheiros não odeiam "Gourmet". A mídia que os americanos supostamente odeiam é a dos guardiões e arautos das opiniões e do debate nacionais, as pessoas que pontificam em suas colunas ou de suas posições como âncoras, que desfrutam de rendas que os colocam entre o 1% mais rico da população e que ofendem imensas porções da América quando brandem seu poder para explicar, simplificar ou mesmo diluir a política, cultura e economia dos EUA. Fallows presume que o poder que exercem é enorme, mas pode estar exagerando.
Vinte anos atrás, na esteira do caso Watergate, publiquei um livro chamado "Mediacracy: American Parties and Politics in the Communications Age" (Midiacracia: Partidos e Política Americanos na Era das Comunicações), no qual eu alegava que a aristocracia e a democracia estavam dando lugar à "midiacracia", sob a qual uma nova elite da informação dominaria. Parte de minha profecia se cumpriu. Mas eu superestimei o poder político das elites da mídia. A elite da mídia do final dos anos 60 e começo dos 70 não foi capaz, ainda que o desejasse, de deter as ondas de conservadorismo político iniciadas em 1968 e 1972, e retomadas em 1980 até 1994.
O livro de Fallows -uma vez mais com a mídia de elite que ele critica- poderia ter alcance mais amplo. As fraquezas dos jornalistas que o autor visa derivam do fato de eles terem passado a fazer parte do establishment e se transformado em elite nacional -que o público despreza-, e não de deficiências profissionais específicas. Como acusação, "Breaking the News" exagera, às vezes. O autor carrega em seu retrato negativo a fim de provar sua tese. Qualquer pessoa com acesso a uma rede de computadores de busca conseguiria descobrir 50 corajosas denúncias, em 1995, de grupos de interesses especiais comprando favores no Congresso, lobbies fora de controle, problemas da classe média e assim por diante no "The New York Times", "The Washington Post", "The Wall Street Journal", "The Chicago Tribune", "The Los Angeles Times" e "The Boston Globe". Um compêndio bem editado dessas reportagens esgotaria edições, refutando o que Fallows tem a dizer sobre a leviandade da imprensa.
Ou será que não? Não é por acaso que o livro de Fallows está recheado de citações de jornalistas em apoio aos seus argumentos. O livro pode estar eivado de declarações simplistas para atrair resenhas e provocar polêmica, mas sua franqueza e o que nele há de verdade bastam para recomendá-lo.

Texto Anterior: Uma aventura literária pelas redes digitais e neuronais
Próximo Texto: RUSHDIE; NIETZSCHE; MONTALBÁN; NOLL; FERNÃO LOPES; JAVIER MARÍAS; SHAKESPEARE; DIÁRIO; ROSA
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.