São Paulo, segunda-feira, 15 de abril de 1996
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Consultor propõe pedágios contra congestionamentos

MÔNICA SANTANNA
DA AGÊNCIA FOLHA EM CURITIBA

Para o economista britânico Ian Thomson, consultor de transportes da Cepal (Comissão Econômica para a América Latina e Caribe), órgão da ONU, a solução imediata para os congestionamentos em São Paulo é a retirada das vagas de estacionamento nas ruas, principalmente no centro da cidade.
Um dos maiores especialistas do mundo na área, Thomson defende também a ampliação da rede de serviço de transporte público, com ônibus especiais e maior número de linhas, para que a população deixe o carro em casa.
A longo prazo, Thomson propõe a cobrança de uma tarifa viária para a circulação de automóveis em períodos e locais determinados.
Thomson estuda há 25 anos a área de transporte urbano e conhece o trânsito das principais cidades da América Latina, Europa e Estados Unidos. Já morou no Rio. Ele participou na semana passada do 8º Congresso Latino-Americano de Transporte Urbano Coletivo, em Curitiba (PR), onde deu entrevista à Agência Folha.
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Agência Folha - Qual cidade brasileira o sr. considera que tem o pior trânsito?
Ian Thomson - O Rio é um caso quase perdido. A topografia da cidade e o mau planejamento viário são responsáveis pelos congestionamentos. A Barra da Tijuca é o pior caso no Rio. São Paulo, por seu tamanho, tem problemas, mas o trânsito é melhor gerenciado do que em outras cidades.
Agência Folha - Onde está a dificuldade no trânsito de SP?
Thomson - O uso excessivo de automóveis na cidade é a raiz do problema. A prefeitura deveria oferecer ao motorista opções atrativas de transporte coletivo que ele pudesse usar no lugar do automóvel. Inovar, colocando em vez dos ônibus comuns, ônibus especiais.
Agência Folha - Que medida de curto prazo o sr. recomendaria?
Thomson - Retirar todas as vagas nas ruas. Não permitir estacionamento nas ruas, principalmente no centro da cidade. Simultaneamente, aumentar e melhorar a rede de serviços de ônibus especiais, com novas linhas em direção à região.
Agência Folha - Das cidades que o sr. conhece, qual o trânsito apontaria como modelo?
Thomson - Curitiba. É modelo para o mundo inteiro. É a única cidade que uma porcentagem importante de pessoas que têm carro poderiam usá-lo e, no lugar, usam ônibus comum. Não usam ônibus de luxo. 28% dos usuários do transporte coletivo deixam seus carros em casa e usam o ônibus para chegar ao serviço. Agência Folha - Por que deu certo o sistema de transporte de Curitiba?
Thomson - O que está se fazendo aqui é resultado de um processo de 30 anos. Restringiu-se o uso de automóvel e melhorou-se o sistema coletivo de transporte e a cultura das pessoas. Planificação conjunta do sistema de transporte e do uso do solo também foi importante. Se outras cidades começassem hoje, em 30 anos poderiam ter um sistema de transporte igual ao que Curitiba tem agora. É um processo de longo prazo.
Agência Folha - Como é possível reduzir os congestionamentos nas grandes cidades?
Thomson - A solução ideal, no nosso ponto de vista, é a tarifação viária. Isso significa que cada motorista teria que comprar diariamente, ou para a semana ou o mês, o direito de usar as ruas mais congestionadas da cidade. É um pouco radical essa solução. Se quisesse usar as ruas do centro, teria que comprar uma licença especial que ficaria estampada no pára-brisa.
Agência Folha - Isso incentivaria o motorista a deixar o carro em casa?
Thomson - Poderia sair mais cedo antes da hora de aplicação da tarifa ou evitar as áreas centrais. O custo da tarifa também é importante. É mais eficiente a tarifação se as pessoas tivessem que pagar um pouco e a verba arrecadada fosse investida na infra-estrutura dos meios de transporte de coletivo. Isso aumentaria a elasticidade de demanda por um outro meio de transporte no lugar do automóvel.
Agência Folha - Campanhas educativas para que os carros sejam deixados em casa funcionariam em São Paulo ou no Rio?
Thomson - Não, de maneira nenhuma. Nenhum programa educativo vai servir.
Agência Folha - Onde já está implantado o sistema de tarifação viária?
Thomson - Existe em Cingapura, onde o sistema está funcionando há 20 anos e está tendo êxito. Lá foi implantado um pacote de medidas, como a limitação na importação de veículos e a compra de licença para usar o automóvel somente após as 21h ou nos fins-de-semana. Essa licença custa menos do que a licença para quem quer usar o carro diariamente. Com isso, há muito pouco congestionamento lá.
Agência Folha - O que leva médias e grandes cidades a terem problemas de trânsito?
Thomson - Em toda a América Latina, os países mudaram recentemente de modelo econômico. Tentavam proteger suas indústrias nacionais colocando impostos bem altos sobre importação de automóveis. Tudo mudou. As políticas neoliberais incluem a redução de impostos sobre qualquer coisa. Como resultado, houve uma importação maciça de automóveis em países como Peru e Brasil.
As pessoas passaram a ter mais dinheiro no bolso e os preços dos automóveis caíram. A propriedade de automóveis, então, aumentou. Isso não deveria causar problemas, mas na América Latina a população não sabe controlar o uso do automóvel.
Agência Folha - Quais os piores trânsitos no mundo?
Thomson - Não conheço todos, mas o de Bangcoc, na Tailândia, é um dos piores e na América Latina, o de Bogotá, na Colômbia. Bogotá é um desastre porque não tem metrô e nem trem.
Agência Folha - Qual a consequência dos congestionamentos sobre a saúde humana?
Thomson - Causa estresse. Não há como se evitar. A contaminação do ar também causa problema de saúde.
Agência Folha - É necessário muito investimento para resolver o trânsito?
Thomson - Não. Sempre dá para investir em algumas coisas, mas há gastos desnecessários, por exemplo, como a construção de autopistas por todo lado. Isso não resolve o problema. Na América Latina, poucas pessoas pensam em limitar o uso do automóvel. Há uma tendência natural em construir mais infra-estrutura para os carros, quando o ideal deveria ser o contrário.

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