São Paulo, segunda-feira, 15 de abril de 1996
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O iogurte, o tênis e o carro popular

MIGUEL JORGE

A síndrome psicológica do brasileiro em relação aos produtos "populares", caracterizada pela confusão entre o que é popular e o que é pobre, parece que está desaparecendo, a julgar pelos mais recentes números das montadoras de veículos.
Segundo a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), a participação dos carros "populares" no total das vendas de automóveis em fevereiro passado foi a maior desde que se fazem carros no Brasil.
Os fabricantes negociaram 113.518, veículos, sendo 55.863 dos modelos mais baratos, 60,5% do total do segmento de automóveis, ou seis entre dez carros.
As vendas de "populares" poderão crescer 16% em relação a 1995, uma resposta aos que atacaram os acordos setoriais automotivos de 1992 e 1993, que impulsionaram a indústria automobilística.
Essa grande comercialização de carros "populares", no entanto, remete a outros produtos que, rejeitados pela mídia, acabaram criando uma demanda ulterior de mercado que os impôs entre os consumidores.
Nos anos 60, por exemplo, o tênis era usado somente nos esportes e no lazer, algo que ninguém bem-educado usaria fora de um ginásio ou de um parque público.
Com o iogurte -e até com a margarina- aconteceu mais ou menos a mesma coisa, típico de uma sociedade que ainda não passara por grandes transformações de comportamento.
Hoje, usa-se tênis em teatros, cinemas e restaurantes, e tomam-se milhões de copinhos de iorgurte Brasil afora -somos um dos maiores consumidores mundiais do produto, um impressionante fenômeno de comercialização.
Com o carro "popular", a coisa funcionou do mesmo modo desde que o Fusca foi lançado em 1993, a partir de uma idéia do ex-presidente Itamar Franco, que a Volkswagen julgou viável.
Com argumentos mais emocionais que técnicos, a mídia abriu campanha contra os veículos do tipo "popular" -os maiores críticos eram os mesmos que, mais tarde, acusariam as montadoras de abandonarem o carro "popular" porque davam menos lucros!
Com o país mal saído de uma recessão, as vendas de veículos em queda e os salários deprimidos, o mínimo que se dizia era que os carros "populares" eram "pobres".
Os números derrubaram as "Cassandras": de 1990 para 1991, a produção de veículos básicos saltou de 43% para 53% -dez pontos percentuais a mais, ou quase 25% de aumento na oferta de "populares" em relação aos carros luxo.
No caso da Volkswagen, dos 111.605 Gol produzidos em 1991, o modelo mais vendido da indústria, 76% foram básicos.
De lá para cá, o setor, também já acusado de aumentar a produção de carros de luxo porque davam mais lucro, aumentou sempre a produção de "populares".
Em fins de março de 1993, metade dos automóveis eram Gol "populares" e, ainda hoje, este modelo mantém a liderança do ranking dos carros mais negociados no país.
Em fevereiro passado, foram vendidos 56.450 modelos Gol e, no total acumulado do ano, as vendas de veículos alcançaram 207.455 unidades, mais de 20,39% em comparação a igual período de 1995.
Em resumo, nunca os carros populares venderam tanto -e isso só aconteceu porque as montadoras atenderam ao crescimento do mercado, que reclama cada vez mais veículos desse tipo.
Num país em que os riscos são cada vez em menor número, o modelo industrial brasileiro volta-se para os produtos "populares", embora o setor automotivo tenha todas as condições de produzir veículos mais sofisticados e competitivos.
Torna-se óbvio, portanto, que a maioria dos brasileiros começa a observar que o carro "popular" é uma excelente opção para o consumidor.

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