Folha de S.Paulo - "Como é a vida na rua?"

São Paulo, segunda-feira, 15 de abril de 1996

"Como é a vida na rua?"

FREE-LANCE PARA A FOLHA

Deborah Secco quer que sua personagem, a menina de rua Tatu, de "Vira Lata", fique o mais próximo possível da realidade.
Para começar, ela cortou seus longos cabelos, cultivados anos a fio. Adotou um visual meio moleque. E tenta ainda mudar o jeito delicado de garota bem-criada.
O comportamento de patricinha que a atriz adotou para interpretar a Karina de "A Próxima Vítima" vai ser substituído.
Parte das características de Tatu vão ser emprestadas da menor Simone dos Santos, 16, uma adolescente que conhece como ninguém os perigos da vida de menor abandonado. Ela contou suas experiências à atriz, que vai usar o bate-papo na composição da personagem.
*
Deborah - Como você foi parar na rua?
Simone - Minha mãe me mandou para a Funaben quando eu tinha 8 anos. Nunca mais nos encontramos.
Deborah - Você lembra dela? Tem idéia de onde possa estar?
Simone - Lembro apenas que era mulata e usava "henê" (marca de alisante de cabelo). Ela tinha vida virada. Usava droga e me deixava na casa dos outros. Nunca mais soube dela. Procurei em tudo que é lugar. Queria a minha mãe. Mas não quero falar dela (chora).
Deborah - Se ela entregou na Funaben, eles devem saber quem é.
Simone - Nunca mais quero voltar lá. Eu sofri muito por lá. Nem gosto de lembrar. Eles batiam muito.
Deborah - Quando saiu da Funaben, você foi para aonde?
Simone - Para casa de uma tia que me adotou, em Pendotiba. Mas o marido dela queria abusar de mim. Fugi. Depois já fui para tudo quanto é lugar.
Deborah - Como é a vida na rua?
Simone - Muito ruim. Todo dia eu choro. Tem gente que olha a gente como bicho. Dá raiva. Aí, se estiver comendo, a gente mete a mão e sai correndo.
Deborah - Você já usou drogas?
Simone - Já. Já fui viciada. Não tinha vontade de comer nem beber. Fiquei muito magrinha, daí parei. Mas quando alguém aparece com droga, dá vontade.
Deborah - Você já se prostituiu?
Simone - Já. Os caras do edifício davam R$ 10 pra gente.
Deborah - Por que você não tenta trabalhar?
Simone - Se você me arranjar um emprego de faxineira na Globo, eu topo. (risos)

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