São Paulo, terça-feira, 16 de abril de 1996
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A fraternidade do alto

JANIO DE FREITAS

A unanimidade das previsões publicadas, antevendo a derrubada da liminar que interrompeu a "reforma" da Previdência na Câmara, reflete bem o papel de órgão político assumido pelo atual Supremo Tribunal Federal. Mas, nisso mesmo, expõe o teor dramático da indagação feita pelo ministro Marco Aurélio de Mello:
"Se não pudermos (os ministros do STF) julgar atos do Legislativo, o cidadão vai recorrer a quem? Ao papa? À Corte de Haia?" À primeira vista, o ministro apenas respondia à alegação de que, aceitando provisoriamente um recurso contra o andamento da "reforma", praticara intromissão indevida no Legislativo.
No fundo, a indagação expõe a insignificância irremediável da democracia, da Constituição, das leis, sob a prepotência resultante do conluio de interesses entre os níveis mais altos do Executivo, do Legislativo e do Judiciário. Em seu artigo 102, a Constituição define o instrumento de sua própria defesa: "Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição". Digamos que no Congresso sejam adotados procedimentos anormais para alterar a Constituição. Diante do que está no art. 102, o que cabe ao STF, em caso de uma ação que denuncie judicialmente as anormalidades: considerar que a Constituição pode ser alterada mesmo por métodos anormais, porque isto se passa no âmbito de outro poder, ou sustar o processo de alteração, para defender a Constituição de modificações à margem das regras apropriadas?
O que está posto em questão é a lisura do processo adotado pelo presidente da Câmara e pelos líderes do PFL, PSDB e PMDB para alterar o texto constitucional referente à Previdência. Com menor ou maior constrangimento, todos os chamados grandes jornais registraram várias das irregularidades aplicadas, na Câmara, para dar como aprovado o relatório do deputado Michel Temer. E não se trata, aí, do toma-lá-dá-cá patrocinado pela Presidência da República. O Regimento da Câmara proíbe a introdução, no relatório que substitua um outro rejeitado, de propostas posteriores à tal rejeição. O texto dado como aprovado, de autoria de Michel Temer, incorporou propostas novas. Isto seria suficiente para invalidar a aprovação. Há, também, a proibição de que matéria rejeitada pelo plenário seja reapresentada no mesmo ano. O primeiro relatório, do deputado Euler Ribeiro, foi rejeitado pelo plenário, daí vindo a manobra, conduzida pelos deputados Luís Eduardo Magalhães e Inocêncio Oliveira, de um segundo relatório (o de Michel Temer, que foi dado como aprovado).
Alegam os governistas, da política e da imprensa, que não houve reapresentação, porque rejeitado foi "só o relatório e não a emenda". O relatório, apesar do nome, é a nova forma, decorrente de contribuições parlamentares, dada à versão original de um projeto de lei ou de emenda constitucional. Logo, quando rejeitado pelo plenário o relatório, foi rejeitado o respectivo projeto. E, já lembrou o jurista Fábio Konder Comparato, a proibição nem se refere a relatório, projeto ou emenda: refere-se a matéria rejeitada, o que elimina qualquer apelação em torno de relatório e emenda.
Apesar de todas as evidências, não há por que desconfiar das previsões unânimes de que a maioria do STF deixará os deputados à vontade.

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