São Paulo, terça-feira, 16 de abril de 1996
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Ironia e estigma

CLÓVIS ROSSI

São Paulo - Seria a suprema ironia se Gustavo Loyola, o presidente do Banco Central, viesse a cair por uma crise interna no próprio BC, depois de ter atravessado todo o temporal resultante dos casos Econômico e Nacional.
Mais irônico ainda porque, ao contrário das situações anteriores, em que houve uma torrente de dúvidas sobre a ação do Banco Central, desta vez Loyola parece ter razões técnicas que justificam o aumento inicialmente concedido aos quadros técnicos do BC.
O problema é que o "timing" da operação é próximo do desastroso. A Folha chegou a ouvir, de quem conhece bem o assunto, a ironia de que o momento para se conceder o reajuste aos funcionários técnicos do BC é mais inadequado ainda do que o escolhido para mexer no preço dos combustíveis.
Entre outros motivos, há o fato de que se aproxima a data (1º de maio) para o reajuste do salário mínimo e o governo federal dá todos os sinais de que quer dar uma correção mínima, se possível zero.
Vai ser difícil explicar ao distinto público que não é possível corrigir o mínimo no mesmo momento em que uma camada do funcionalismo recebe reajustes superiores a 70%.
No fundo, o governo vai ficando prisioneiro da sua própria retórica. Já faz algum tempo que o funcionalismo público foi transformado no grande bode expiatório da República. Todos foram equiparados, por uma propaganda equivocada ou mal-intencionada, aos grandes marajás, culpados pela falência do Estado.
É claramente uma falácia. Claro que há profundas distorções no funcionalismo, tanto o federal como os estaduais e municipais. Mas a generalização, além da injusta, cria uma armadilha: se se quer que o Estado funcione melhor, é preciso corrigir determinadas injustiças salariais, mas fazê-lo revela-se politicamente incorreto pelo estigma que os governantes fizeram desabar sobre o funcionalismo.

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