São Paulo, quinta-feira, 18 de abril de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

A dívida preocupa (I)

CELSO PINTO

A dívida líquida total do setor público no ano passado chegou a um recorde histórico se medida em dólares. Ela chegou a US$ 213 bilhões (36,8% do PIB) pelo critério oficial, ou a US$ 267 bilhões (46% do PIB), se forem consideradas algumas dívidas que existem, mas não são registradas.
Isso significa que, considerando o critério mais amplo e realista, cada brasileiro nasce, hoje, devendo US$ 1.650.
A dívida líquida global soma todas as esferas de governo: federal, estadual e municipal, Banco Central e estatais. Deduz os créditos e as reservas cambiais. Mede, portanto, a dívida efetiva, e sua variação é equivalente ao déficit ou superávit do setor público.
O governo tem argumentado que, embora algumas dívidas tenham subido muito (a mobiliária, por exemplo, dobrou e bateu recordes), a dívida líquida, que é a relevante, continua sob controle.
Um exame cuidadoso da dívida líquida, contudo, indica que ela também é preocupante. Seu total mais amplo já se equipara ao recorde de 46,7% do PIB registrado em 1989 e que levou ao confisco e ao calote do Plano Collor, em 1990.
A dívida líquida representa "uma séria ameaça à consolidação do Plano Real, tanto pela sua dimensão quanto pelo seu elevado custo". Se o problema não for atacado pela combinação de ajuste fiscal, privatização, redução dos juros e freio no aumento das reservas, poderá fugir de controle. O risco é "a reaceleração da inflação, nos próximos anos, pela deterioração fiscal, e o comprometimento do ritmo de crescimento".
Os cálculos e as conclusões são de três economistas respeitados, que ocuparam cargos qualificados no BC e no governo e hoje são consultores privados: Alberto Sozin Furuguen, Luis Pamplona de Paula Pessôa e Satossi Abe. Eles fizeram uma ampla análise da dívida líquida de 1982 a 1995 para o Banco Garantia. Menciono as conclusões principais nesta coluna e pontos específicos nas próximas.
A dívida líquida preocupa pela rapidez de sua aceleração recente, seu custo e sua magnitude. Países desenvolvidos que tem endividamentos maiores, como a Itália (120% do PIB) e a Bélgica (129%) têm um custo infinitamente menor, prazos maiores e credibilidade -um ingrediente que o Brasil perdeu com os vários calotes recentes e com a hiperinflação.
O salto recente da dívida líquida se deu por três razões: o acúmulo de reservas, os juros altos e os déficits fiscais.
A questão do custo não se resume apenas à altíssima taxa de juros, mas também à composição da dívida. Em 1982, 54,5% da dívida era externa, mais barata, e 45,5% era interna. Hoje, 82% do total da dívida líquida é dívida interna, mais cara.
A origem também é importante. Enquanto os Estados e municípios têm uma limitação natural ao endividamento, por não poderem emitir, o governo federal tem uma capacidade quase ilimitada (enquanto o mercado aceitar).
Por essa razão, o fato de a dívida federal ter crescido tanto nos últimos anos (de 9,1% do PIB em 93 para 15,9% no ano passado) e de o governo federal estar absorvendo, crescentemente, dívidas de outras esferas, são más notícias.
A magnitude também preocupa, principalmente pela questão das dívidas não-registradas. Os três argumentam que o cálculo correto da dívida líquida deveria levar em conta os US$ 40 bilhões do Fundo de Compensação das Variações Salariais (FCVS). É uma dívida que existe, custa 8% reais ao ano, metade já está vencida, e boa parte da outra metade vence nos próximos dois anos. Mesmo assim, não é incluída na dívida líquida.
O Proer (programa de ajuda aos bancos) também deveria entrar na conta. Já foram gastos US$ 5,8 bilhões (sem o Excel) e boa parte disso será prejuízo. Acrescentam, também, os US$ 7,5 bilhões de dívida agrícola que será securitizada pelo governo federal.
O custo de pelo menos R$ 2,2 bilhões do aumento de capital do BB, dizem eles, também deveria ser incluído. Furuguen e Satossi sabem do que falam: foram chefe e chefe-adjunto, respectivamente, do Departamento Econômico do BC, responsável pelos cálculos oficiais da dívida líquida.

Texto Anterior: Confronto mata pelo menos 19 no Pará
Próximo Texto: Ombudsman participa de encontro no RN; Comissão orçamentária começa a funcionar; Brasil volta a ter saldo positivo junto ao BID
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.