São Paulo, quinta-feira, 18 de abril de 1996 |
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Troca-troca
MOACYR SCLIAR - Vocês, aí! Espera um pouco, eu conheço vocês. Não andaram pelo hospital na semana passada? Por causa de um familiar que estava baixado? Ele não foi atendido? O que é que vocês querem?- Realmente, estivemos aqui na semana passada, e aquela pessoa da nossa família foi atendida, e... - E o quê? O que é que houve? 0- Faleceu. Faleceu ontem. - Faleceu? Bom, meus pêsames. O falecimento é um desfecho possível numa hospitalização. Basta estar vivo para morrer, vocês sabem. Faleceu... Acontece. Não vão me dizer que vieram reclamar do atendimento. - Não, o atendimento até que foi bom, mas... - Mas o quê? - Mas o corpo... - O que é que tem o corpo? - É de outra pessoa. - É de outra pessoa? Como é que vocês sabem? - Bem, em primeiro lugar pela idade. O nosso corpo, quer dizer, o corpo que queríamos enterrar, é de uma pessoa com 40 anos. O corpo que nos entregaram é de uma pessoa que tem uns 50 anos. - Cinquenta? E daí? A doença envelhece muito, vocês sabem. E dez anos nem chega a ser uma diferença muito grande. - Mas não é só a idade... O nosso corpo é de uma pessoa branca. O corpo que recebemos é de uma pessoa mulata. - E daí? Vocês não sabem que uma pessoa pode mudar de cor? Vamos dizer que ela tenha tomado muito sol. Vocês acham que ainda seria branca? - É, talvez não. Mas o corpo que recebemos é o de uma mulher. E o nosso parente era homem. - Mas vocês são preconceituosos, mesmo. Homem ele talvez fosse -até baixar. Quem sabe a hospitalização revelou o verdadeiro sexo do parente de vocês? Quem sabe ele resolveu assumir o seu lado feminino? Hein? Pergunta interessante, não é? Pensem nesse assunto. Aliás, é sempre bom pensar antes de reclamar. Uma lição que vocês já deveriam ter aprendido, não acham? Texto Anterior: Pane gera corte de luz em cidade do PA Próximo Texto: Violência nos estádios Índice |
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