São Paulo, sábado, 20 de abril de 1996
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CNBB divulga nota sobre as áreas da igreja

Leia a nota divulgada ontem pela CNBB:

Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
34ª Assembléia Geral
Itaici, Indaiatuba-SP, de 17 a 26 de abril de 1996
Terras da igreja
A afirmação de que a Igreja Católica tem muitas terras no Brasil, e que em consequência não tem autoridade para urgir a reforma agrária sem que antes a faça em suas terras, parecia um argumento já superado desde a dissolução da UDR. E parecia que os dados estatísticos publicados pelo próprio Incra em junho de 1985 tinham de uma vez por todas mostrado a inconsistência desse tipo de acusação contra a igreja.
Mas, para surpresa de todos, recentemente a imprensa, através de um jornal de circulação nacional, retomou o velho argumento, afirmando que a Igreja Católica poderia assentar em suas terras mais de 20 mil famílias, resolvendo o problema de todos os sem-terra do país. Para fundamentar a afirmação, foram citadas cifras fornecidas pela própria CNBB sobre a extensão das mais de 11 mil propriedades pertencentes a "instituições pias e religiosas", que juntas perfazem a soma de 330 mil hectares.
Parece que a melhor interpretação dos motivos que levaram o jornal a fazer tais afirmações em manchete de primeira página foi dada pelo Movimento dos Sem-Terra, em carta enviada à CNBB no dia 15 de março.
"Acreditamos que essas notícias estão sendo difundidas unicamente com o propósito de prejudicar o debate e de inibir a atuação da igreja nesta luta... Certos de que esses ataques partem dos que nunca estiveram interessados em fazer a reforma agrária, e sim em conturbar o debate para inviabilizá-la, manifestamos nosso apoio e solidariedade ao trabalho da Igreja Católica."
1. A maneira de enganar a opinião pública
É fácil enganar a opinião pública quando se fala em extensão de terras. Ainda mais porque pouca gente é capaz de visualizar qualquer cifra dada em hectares, alqueires ou em qualquer outra medida. Mais ainda quando se trata de terras de uma instituição como a igreja, cuja presença no Brasil se concretiza em milhares de instituições.
O engano produzido pela citada reportagem resulta sobretudo de dois equívocos induzidos pela maneira como os dados foram apresentados, de que as terras sejam contínuas, e de que tenham uma única titularidade. Disso resulta a falsa suposição de que os 330 hectares atribuídos pelo Incra a "instituições pias ou religiosas" formem uma espécie de latifúndio improdutivo, onde poderia se assentar 20 mil famílias.
2. As referências indispensáveis para entender as cifras
Quando se fala em extensão de terras, é indispensável ter uma referência que permita avaliar adequadamente o que elas significam no universo da estrutura fundiária no Brasil.
Pelos dados fornecidos pelo Incra em junho de 1985, as terras da igreja, todas juntas, representavam só 0,05% da extensão ocupada pelos latifúndios por exploração no Brasil. Portanto uma quantia mínima, que desaparece em meio à enormidade dos latifúndios.
Outra referência expressiva: as terras da igreja, todas juntas, representavam só 14% da extensão da maior propriedade existente no país, que detinha 1.852.905 hectares. Portanto um só proprietário possuía sete vezes mais terras do que toda a Igreja Católica, que está presente em todos os recantos deste país, e com sua presença em muito contribuiu para firmar nossas fronteiras e garantir que muitas terras sejam até hoje brasileiras.
Tomando por outro lado, ao se falar em reforma agrária, é importante saber que 1% dos proprietários rurais detêm no Brasil 43% de todas as terras agricultáveis. Outros dados ajudam a dimensionar melhor a situação fundiária no Brasil dos 371 milhões de hectares cobertos pelos 5,8 milhões de estabelecimentos agrícolas no país, só 10 milhões de hectares pertencem aos 3,1 milhões de pequenos agricultores, ou seja, só 2,6% do total.
No que se refere ao real aproveitamento da terra para produção agrícola, os dados do Incra apresentam o seguinte quadro, que mostra onde estão as terras ociosas no Brasil os pequenos proprietários com até dez hectares de terra ocupam 65% de sua extensão com lavouras; os proprietários com dez a cem hectares ocupam 28% de sua extensão com lavouras, os de cem a mil hectares ocupam só 6,7%, e os proprietários com mais de mil hectares ocupam apenas 2,31% de suas terras com lavouras.
É diante desses dados que se evidencia a inconsistência da afirmação apresentada por um órgão de imprensa, de que a igreja poderia assentar todos os sem-terra nos 330 mil hectares pertencentes a "instituições pias e religiosas". Ainda mais diante da constatação de que as terras destas "instituições pias e religiosas" já estão repartidas em 11.801 propriedades, das quais 9.582 têm menos de 10 hectares. Portanto, muito ao contrário da suposição perniciosamente construída de que essas terras constituam latifúndio improdutivo, elas se repartem em milhares de propriedades.
3. Pesquisa junto às instituições católicas
Para não ficarmos só com os dados do Incra, que inclusive não se referem só a instituições católicas, é conveniente realizar agora uma pesquisa exaustiva para se ter com precisão todos os dados referentes às terras da igreja: sua extensão exata, seu parcelamento em módulos menores, como são cultivadas, para que se destina o seu uso, quantas pessoas nelas vivem e trabalham, e outros dados que são especificados com clareza na pesquisa.
O formulário da pesquisa será enviado às Dioceses e a todas as Ordens e Congregações Religiosas filiadas a CRB.

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