São Paulo, sábado, 20 de abril de 1996
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Rio Branco e a globalização

RUBENS RICUPERO

Neste dia em que se encerra o sesquicentenário de nascimento do Barão do Rio Branco, é bom lembrar que sua política deu certo porque soube inserir o Brasil no tipo de globalização que se processava naquele momento.
Não se deixando levar pela aparência de perpétua hegemonia da Europa, então no auge do poder, o barão captou o que escapava aos olhos da maioria dos seus contemporâneos.
Percebeu, assim, muito cedo, a emergência dos EUA como potência global, capaz de projetar o poder efetivamente muito além dos confins do hemisfério.
Foi o que começou a ocorrer a partir de 1905, com a mediação do presidente Teddy Roosevelt para pôr fim à guerra russo-japonesa, prenúncio do que se revelaria, anos mais tarde, a intervenção decisiva na Primeira Guerra Mundial.
A capacidade americana de ação global, por sua vez, só se tornou possível graças ao deslocamento do eixo da economia mundial da Europa em favor da América.
Rio Branco estava consciente de que, já em 1904, pouco após o início de sua gestão, os Estados Unidos absorviam cerca de 50% das exportações brasileiras e eram os primeiros importadores dos três principais produtos que exportávamos (café, borracha e cacau).
À luz dessas realidades novas, ele criou o primeiro verdadeiro paradigma e modelo abrangente para articular e dar sentido à política externa do país.
Tratava-se, em sua concepção, de construir com os Estados Unidos uma privilegiada "aliança não-escrita", uma espécie de opção preferencial.
Em troca de um quase sistemático apoio brasileiro às posições americanas, sobretudo em questões hemisféricas, contava Paranhos obter ajuda efetiva de Washington, se possível, ou ao menos sua neutralidade nos problemas de fronteiras que tínhamos ainda a resolver com os vizinhos latino-americanos e as grandes potências européias.
Seu objetivo, porém, era mais ambicioso. Superada a fase de intervenções no Prata e desinteressando-se das rivalidades sul-americanas, conforme escreveu, o Brasil sentia-se atraído pelo "círculo maior das grandes amizades internacionais" a que tinha direito.
Data daí a vocação brasileira para uma crescente participação na vida internacional, que nos levou a tomar parte nas duas guerras mundiais e que expressa, no fundo, a natureza global de nossos interesses, apesar da limitação de nossos meios.
Como era regra na época, a diplomacia de Rio Branco tinha sobretudo conteúdo político-estratégico.
No entanto, seu próprio êxito em resolver em definitivo as questões fronteiriças possibilitou que, mais tarde, a ação externa brasileira se voltasse cada vez mais ao desenvolvimento.
Agora que o paradigma Rio Branco se viu superado pela mudança das circunstâncias históricas, o Brasil se confronta com o novo desafio da globalização econômica, que submete a uma dura prova a sua capacidade de realizar a vocação de participação.
Nessa prova, o exemplo do barão deve inspirar-nos a ler corretamente os sinais dos tempos e saber inserir o país em posição capaz de permitir-lhe aproveitar as oportunidades criadas.
Para isso, contudo, é preciso completar a reforma econômica interna, pois não se deve esquecer que a diplomacia de Rio Branco só teve êxito porque antes a economia fora saneada e voltara a crescer.

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