São Paulo, sábado, 20 de abril de 1996 |
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Rivaldo poderia ter sido quadro de Portinari
MATINAS SUZUKI JR.
Rivaldo, um nordestino que poderia ter sido um sem-terra, um retirante de quadro de Portinari ou qualquer outro retrato desse lado do Brasil de tantas mazelas. Para Rivaldo, o menino nordestino, o destino reservou o momento simbólico dos cem gols deste time, desde já, histórico, do Palmeiras. Um menino nordestino que driblou o destino e hoje é cobiçado pelos riquíssimos mercados do Primeiro Mundo -que não estão, nem um pouco, preocupados com o destino de outros meninos nordestinos. Chega a ser quase um milagre que um filho de uma região de tantas carências -um típico menino de rua brasileiro- tenha conseguido tanto fôlego, tanta resistência física, tanta disposição para trabalhar em seu ofício, para o qual nasceu também com tanta ciência -como se diz na sua região. (Alberto Helena Jr. chamou-o com muita razão de centopéia, pensando seus sete fôlegos). Que o pernambucano Rivaldo seja hoje o jogador mais moderno do Brasil, reunindo habilidade, disciplina tática, vocação para marcar, atacar e fazer gols, é também mais uma brincadeira do destino, pois ele permite ver que, no seio do lado desajustado da sociedade brasileira, pode brotar o melhor, e até o melhor de todos. O gol centenário feito por Rivaldo é uma medalha para esse belo time do Palmeiras (poucas vezes se pode ver um time tão objetivo, tão determinado em fazer do gol uma consequência de jogadas simples. Repare que o futebol do Muller é hoje quase zen: reduziu-se ao essencial. E que o time todo procura, em vez do rococó, do barroco tradicional do estilo brasileiro, a pureza geométrica, por um lado, e a precisão de um golpe de caratê, pelo outro). Mas vejo outro sentido também no fato de o gol de número cem ter saído das pernas finas e longas do Rivaldo. Vejo ali, ainda, uma homenagem do destino a ele, a um jogador que, em campo, é exemplo para a revolução do fut que começa a ocorrer no futebol brasileiro. Solidariedade, espírito comunitário, consciência social, são questões de pouca importância para o brasileiro. São valores tão mal distribuídos sociedade brasileira quanto a riqueza material, concentrada em poucos. Quando, em meio ao miserê geral, alguém, graças ao seu talento particular, consegue se destacar, a tendência é adotar um comportamento que não só reforça, como torna reluzente, o individualismo (caso Romário, por exemplo). Rivaldo é o oposto. Habilidoso, tem muita consciência da sua funcionalidade no conjunto. Wanderley Luxemburgo aprimorou o seu posicionamento e intensificou o trabalho com o seu potencial de conclusão de jogadas. Também passou a ele valiosas observações no sentido de tocar mais rapidamente a bola e dar mais rentabilidade a sua própria velocidade. Não é à toa que Zagallo tem tanta esperança nele. E eu deposito nos pés do Rivaldo a minha esperança neste país. Texto Anterior: Em Mogi Mirim Próximo Texto: O futuro Índice |
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