São Paulo, domingo, 21 de abril de 1996
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Concentração de terras provoca tragédia social

Conflitos no campo foram ponto de partida para revoluções

CLÓVIS ROSSI
DO CONSELHO EDITORIAL

A tragédia social latino-americana está marcada por um grito: "Tierra y libertad".
Foi com esse espírito que se fez, no remotíssimo ano de 1910, a Revolução Mexicana, primeira revolta social do século, anterior à Revolução Russa (1917), que acabaria por ser a mais marcante.
Gritos semelhantes provocaram revoltas na maior parte dos países latino-americanos. Menos no Brasil, um dos raros países do mundo em que não se fez uma reforma agrária digna do nome.
Em todos os países do subcontinente, o cenário que levou às revoltas era muito parecido: extrema concentração da posse da terra em pouquíssimas mãos. No México, por exemplo, calcula-se que, em 1910, 11 mil fazendeiros eram donos de 60% do território.
Números variam pouco
Na Bolívia, a segunda grande reforma agrária na América Latina, os estabelecimentos agrícolas de mais de 2.500 hectares eram apenas 3,79% do total, mas ocupavam 81,88% das terras.
Dados de 1950, dois anos antes da chamada revolução boliviana, que promoveu a reforma agrária e a nacionalização das riquezas minerais, estanho principalmente.
Sete anos depois, era a vez de Cuba, a ilhota caribenha em que os fazendeiros dividiam as propriedades com a Máfia dos EUA.
Depois, viria o Peru, o único país em que a reforma agrária, tida como a mais radical depois da cubana, foi executada por um governo militar, que assumiu o poder em 1968. Em 1961, último Censo antes do golpe militar, 69% das terras eram de propriedade de apenas 0,2% das fazendas.
A guerrilha
No Brasil, os números diferem apenas ligeiramente dos disponíveis para o Peru, o México e a Bolívia de antes de suas reformas.
O Anuário Estatístico do IBGE de 1983 mostra que 1,2% dos proprietários rurais detinham 45,8% das terras agricultáveis.
"O Brasil está entre os países de maior concentração fundiária do mundo", diz o texto da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) para a Campanha da Fraternidade de 1986, batizada de "Terra de Deus, Terra de Irmãos".
Onde não se fez a reforma agrária, se implantou a luta armada. O caso da América Central é, talvez, o mais ilustrativo.
A Revolução Sandinista, na Nicarágua, a guerrilha da Frente Farabundo Martí de Libertação Nacional (El Salvador) ou dos vários grupos da Guatemala -todas elas incluem a questão da terra como uma de suas principais bandeiras.
É natural: em El Salvador, por exemplo, 4% das propriedades ocupam 67% das terras.
México
Quase um século após o grito "tierra y libertad" servir de alavanca da Revolução Mexicana, a situação fundiária na América Latina alterou-se pouco, quase nada.
No próprio México, 56% das terras pertencem hoje a apenas 4 mil proprietários, apesar da farta distribuição feita principalmente na gestão Lázaro Cárdenas (1934-40).
Entre 1914 e 1934, sucessivos governos distribuíram 7,6 milhões de hectares. Cárdenas, em seis anos, fez muito mais: deu aos camponeses 17,8 milhões de hectares.
Como o México conta com pouco mais de 25 milhões de hectares cultiváveis, em tese, não deveria haver nem latifundiários (os "terratenientes") nem "sem-terra".
A fraude
Apenas em tese. Na prática, uma série de fraudes aos limites previstos na lei para o tamanho das propriedades e a incapacidade de os beneficiários se sustentarem com o cultivo geraram um paulatino retorno à situação pré-revolução.
O limite legal é de 100 a 200 hectares por propriedade (conforme seja ou não irrigada). Mas os "terratenientes" foram colocando suas terras em nome de filhos, parentes, amigos e conseguiram, assim, propriedades até 10 vezes maiores do que o limite legal.
Na outra ponta, os camponeses pobres, sem a devida assistência, foram vendendo seus lotes, a ponto de haver hoje cerca de 4 milhões de sem-terra no país. O México tornou-se emblemático do fato de que reforma agrária, se tomada como mera distribuição de terras, é o caminho certo para o fracasso.
Pela Internet
A questão fundiária tornou-se, nos anos recentes, ainda mais grave, porque acrescentou-se a ela o cultivo da matéria-prima para as drogas como cocaína.
Hoje, na Bolívia como no Peru, há movimentos camponeses que não defendem apenas a posse da terra, mas o direito de cultivá-la com o que lhes dá mais lucro. E a folha de coca, matéria-prima da cocaína, é muito mais lucrativa do que plantar arroz ou feijão.
Era inevitável, nesse cenário, que o grito de "tierra y libertad" continuasse ecoando no subcontinente, agora modernizado.
Vai via Internet, a rede global de computadores, utilizada pelo subcomandante Marcos, líder do Exército Zapatista de Libertação Nacional. Zapata (Emiliano) foi o primeiro.

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