São Paulo, domingo, 21 de abril de 1996
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'Estou marcada para morrer', afirma sobrevivente

DA SUCURSAL DO RIO

Quase três anos depois, muitos dos garotos que viviam na Candelária já têm mais de 18 anos e não são mais reconhecidos como sobreviventes da chacina.
"Queremos ser esquecidos. Vai embora", pediu M., 20, que escapou dos chacinadores.
A sobrevivente C. resolveu falar. Aos 19 anos, com um filho de 1 ano e 6 meses, ela afirma não ter esperança de viver muito tempo.
Em entrevista à Folha, a menina disse estar "marcada para morrer".
Segundo C., na noite da chacina os menores que viviam na Candelária sabiam que algo poderia acontecer.
A sobrevivente mora com a avó e diz que "só de vez em quando" vai para as ruas.
*
Folha - Como você virou menor de rua?
C. -Me apaixonei por um menino de rua. Fugi com ele aos 13 anos.
Folha - Como foi o dia da chacina?
C. - Fomos em grupo para a Urca. Quando voltamos, de tarde, o bicho já estava pegando.
Os policiais militares batiam muito em um menino. As crianças estavam revoltadas.
Folha - Houve alguma ameaça na hora?
C. - Os guardas avisaram: "Vocês vão ver só." Todo mundo ali naquela noite esperava eles voltarem. Teve gente que dormiu em cima da banca para vigiar. A gente tinha a certeza de que eles iam voltar.
Folha - E quando os assassinos chegaram?
C. - Me acordaram dizendo que tinha um estranho na área. Depois ouvi os pipocos (tiros).
Folha - Quantos você viu? Tem como reconhecê-los?
C. - Vi três de longe, mas não lembro deles. Um estava encapuzado.
Folha - Após a chacina, os menores foram ajudados?
C. - Prometeram muito, mas só a Ivone Bezerra de Mello (artista plástica amiga dos menores) e a Cristina Leonardo (advogada) ajudam a gente.
Folha - Você continua na rua?
C. - Só de vez em quando. Moro com minha avó e meu filho (1 ano e 6 meses).
Folha - Você tem medo do que ainda pode acontecer?
C. - Tenho. Com certeza vai ter vingança. Estou marcada para morrer. Já me ameaçaram várias vezes. Ninguém mais gosta de mim.
Folha - Que precauções você toma?
C. - Às vezes quero ir ao baile, mas não vou porque lá tem segurança que é polícia.
Folha - Como você se sustenta?
C. - Não estou roubando por causa de meu filho. A madrinha dele me ajuda.
Folha - Você acha que os réus são culpados?
C. - Não posso dizer porque não vi a cara dos matadores. Mas os garotos que reconheceram foram bem decididos.

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