São Paulo, terça-feira, 23 de abril de 1996
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Volta da mala preta?

CELSO PINTO

O aperto recente do Banco Central sobre as operações externas com dinheiro ilegal foi, em tese, tão eficaz que criou uma dúvida: será que voltaremos aos tempos da mala preta cheia de dólares comprados em "blequistas" de origem escusa?
Com as novas medidas para o câmbio, que os bancos começaram a praticar ontem, o BC, para início de conversa, acabou com a controvérsia em relação à famosa CC-5. Da maneira mais direta possível: acabando com ela.
O nome CC-5 vem de Carta Circular número 5, que regulava os depósitos no Brasil, em reais, de não-residentes. A Circular 2.677 consolidou e mudou alguns pontos de operação desta legislação. Ao fazer isso, tomou o lugar da CC-5.
Como "CC-2.677" não é um apelido fácil de pegar, é provável que o BC tenha se livrado do estigma de um rótulo. Importante, contudo, foram as mudanças de substância.
A principal foi obrigar o banco, aqui, a só abrir contas de não-residentes de instituições financeiras que sejam um banco correspondente seu no Exterior, ou uma filial sua. Por banco correspondente, entenda-se um banco com o qual o banco no Brasil tem uma relação frequente: que opera em seu nome, faz cobranças e/ou abre linhas de crédito.
Esta exigência acaba com os "veículos financeiros", instituições de fachada, abertas em paraísos fiscais, que funcionavam como a ponta externa de operações de entrada e saída de dólares no Brasil via CC-5. A saída e entrada de dólares, em si, nada tinha ou tem de ilegal e era natural que parte da operação usasse contas não-residentes.
Na CC-5, todos tinham que se identificar. Só que "bancos" de fachada, mesmo identificados, não levavam a seus verdadeiros donos. Com este tipo de "veículo" operavam desde operadores do black, a indivíduos e empresas com "caixa dois" no exterior. Além, é claro, dos delinquentes mais pesados, da droga ao contrabando.
Ao mudar a regra, o BC aumentou a responsabilidade do banco ao aceitar dinheiro de origem duvidosa. Será um risco que poucos bancos vão querer correr.
Ótimo, mas para onde vai o dinheiro ilegal que antes fluía pelo canal legal da CC-5?
Esta questão foi uma das razões que motivou uma reunião dos bancos que operam em câmbio (do Forex Clube), semana passada. O presidente do Forex, Carlos Eduardo Sobral, do banco Schahim Cury, se alinha entre os que temem que o novo regulamento acabe levando à volta da mala preta e à ampliação do black.
Na verdade, quando o BC começou a liberalizar o câmbio, no final dos anos 80, um dos objetivos era atrair o dinheiro que era negociado no black. Por duas razões principais: 1) porque o inchamento do black levava a seu descolamento da cotação oficial, criando distorções e estimulando ilegalidades; e 2) porque os canais do flutuante permitiam a identificação de quem operava.
Alcindo Ferreira, ex-dirigente da área cambial do BC, hoje aposentado, presente ao debate, acha que uma das vantagens da nova legislação é atrair aplicadores ao Brasil, que antes se inibiam pela má companhia e má fama da CC-5.
Ferreira não prevê uma ressurreição do black, mas admite algum abalo no comércio de fronteira, responsável por uma evasão de US$ 3 bilhões a US$ 4 bilhões por ano. O comércio dos "sacoleiros" era feito basicamente em reais, no Paraguai. Os reais voltavam ao Brasil e se transformavam em dólares pelo flutuante. Como agora é exigida identificação de transações superiores a US$ 10 mil, parte deste dinheiro terá que encontrar outros caminhos.
Observadores experientes do mercado acham que é cedo para dizer que este tipo de dinheiro, mais o contrabando, mais o "caixa dois" não encontrarão formas legais (ou quase) de continuar operando pelos canais do flutuante. Ou que quem opera no flutuante realmente não terá nenhum vaso comunicante com o mercado negro (se tiver, as cotações ficarão, por definição, próximas).
As cotações do black nos próximos meses dirão quem tem razão.

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