São Paulo, terça-feira, 23 de abril de 1996 |
Texto Anterior |
Próximo Texto |
Índice
Cachorros rebelados à porta do açougue Brasil
MARILENE FELINTO
Mas o dia de representar o Brasil é hoje, por minha conta -a gargalhada amarga, a crítica fácil. Também tenho direito de fazer a crítica fácil. Não me foi possível ter ídolos brasileiros. As gerações imediatamente anteriores à minha me envergonham. Uma única palavra resumiria meu discurso. Afinal, quantas palavras são necessárias para expressar o que se viu do massacre dos sem-terra, a cena encarnada no asfalto da rodovia PA-150, no Pará? Afinal, em se tratando de cachorros, basta o faro; palavras são dispensadas. Os sem-terra do Brasil são como cachorros sem dono implorando por um pedaço de carne à porta do açougue. Só que, no Pará, em Eldorado dos Carajás -o nome irônico dos eldorados brasileiros-, eles se cansaram das pedradas, se rebelaram contra os açougueiros, os donos da carne e dos ossos. Vão prender um ou dois policiais analfabetos, ignorantes, que agiam sob as ordens do coronel Pantoja (prendem o coronel por alguns dias), ele que, por sua vez, agia sob ordens do secretário da Segurança Pública (existe um no Pará, Paulo Sette Câmara, que receberá talvez uma advertência). O secretário, também por sua vez, recebia ordens do governador Almir Gabriel (do PSDB, nesse ninguém rala a mão), pau mandado dos latifundiários, da assassina bancada ruralista do Congresso Nacional -não é estranho que ninguém tenha ouvido falar em bancada ruralista nesses últimos dias. Estão todos calados, acuados, os mentores e mandantes da carnificina. Aqui a lei só pune os miseráveis. Ainda que alguém seja preso pelo crime do Pará, fugirá da cadeia -afinal não andam soltos até hoje os assassinos de Chico Mendes? Este discurso vai para o sem-terra Limiro Geraldo de Souza, ferido no ombro. A culpa é dos políticos e do Presidente, Limiro. De todos os presidentes da República e nossa, que votamos neles. Desde sempre, desde o sr. Wanderley, presidente da província de Salvador em 1854, qualquer um. Pois é. Adianta votar, Limiro? Não adianta. O sistema é podre. Não é possível que se erre sempre. Luto, bandeira a meio pau, o pano infame. É isso, senhoras e senhores, ladies and gentlemen, meine Dame und Herren. Brasil, f... you! E-mail1mfelinto@folha.com.br Texto Anterior: Colégio vai dar ponto 'positivo' a participante Próximo Texto: Acusado de estuprar 15 crianças em AL é preso Índice |
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress. |