São Paulo, terça-feira, 23 de abril de 1996
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Real: ameaça ou bonança para a indústria?

LUÍS PAULO ROSENBERG
QUE O BRASIL NÃO TEM POLÍTICA INDUSTRIAL, TODOS SABEM.

Que a política econômica atual está sendo devastadora para o setor, tão pouco cabe discutir: basta inspecionar a evolução de falências, concordatas e a própria inadimplência bancária para constatar o genocídio empresarial que se vem cometendo nos últimos tempos.
Daí a concluir que a lógica do Plano Real conduz necessariamente ao colapso do setor industrial nacional, vão léguas de incompreensão do quadro econômico atual.
Assim, o Real depende crucialmente da manutenção de uma âncora cambial, por ser este o único instrumento capaz de impor ao empresário local a ameaça de ser chicoteado pelo seu concorrente internacional, se tentar aumentar seus preços seja por pressão de custos ou tentativas de recuperar margens de lucro.
Complementarmente, o plano exige uma economia aberta, tanto à livre importação de bens e serviços como de capitais de risco.
Somente se o varejista puder comprar o que bem entender lá fora, sem ser esbulhado pelo imposto de importação, o produtor nacional pensará duas vezes, antes de tentar impor sua tabela de preços reajustada.
Ou então, é a perspectiva de que uma cadeia de varejo como a Rádio Shark possa a vir instalar-se no Brasil que estimula a Arapuã a melhorar seus serviços, reduzir seus custos e bajular seu cliente.
Entretanto, na prancheta, um plano de estabilização não cogita ver o déficit público crescer 6% do PIB em seu primeiro ano de vida.
Nem exige que as taxas de juros praticadas domesticamente sejam as maiores do planeta.
Muito menos contempla criar um mecanismo perverso de assimetria monetária, pelo qual o pequeno e médio empresário pagam os juros insuportáveis do mercado interno, enquanto multinacionais e grande produtores nacionais abstecem-se de fundos, às civilizadas taxas internacionais.
Resultado: o pequeno empresário frequenta a lista das concordatárias e falidas, enquanto o grande ganha participação de mercado.
Na verdade, um plano de ancoragem cambial deveria trabalhar com superávit fiscal e alinhamento de todos os preços domésticos aos internacionais, aí incluídos os juros.
Finalmente, para garantir que a taxa de câmbio possa permanecer estável por muito, muito tempo, o plano deve contar, além do crescimento interno da produtividade empresarial -que ocorre naturalmente, pela própria lógica concorrencial, mas é limitado, a curto prazo- com um contínuo processo de derrubada do custo Brasil.
Isso implica reduzir: encargos trabalhistas, carga fiscal, custos de transporte, armazenagem e portos, custos financeiros etc.
Daí a necessidade de se implementar as reformas modernizantes e de se privatizar todos os serviços que o Estado não tenha condições de continuar prestando com qualidade crescente, dada sua situação pré-falimentar.
Fica, então, separado o joio do trigo. O câmbio é este aí e as alíquotas de importação devem voltar a cair.
Mesmo assim, somos capazes de crescer e gerar saldos comerciais positivos.
A indústria pode responder a um desafio previamente divulgado, desde que a ecologia ambiental seja adequada.
O que não dá é para sobreviver à política de juros atual e à falta de perspectiva de redução dos custos básicos.
Deve-se, portanto recolocar o Real na sua trilha original, e não partir para alguma "dornburschada" fatal.
Exigir política industrial, sem dúvida. Entendida como alinhamento internacional de preços, fomento ao desenvolvimento tecnológico local, através de agências como a FINEP; parcerias de capitais e de risco, com o BNDES; Itamarati e Ministério da Indústria e do Comércio mobilizados para vender produtos brasileiros no exterior.
Em tal cenário, a indústria nacional competente só teria a ganhar com a estabilização: ampliação exponencial de seu mercado, pela incorporação dos marginalizados pela inflação; regras claras e perenes; simbiose (não orgia) com o setor público, dentro de uma estratégia clara de desenvolvimento.
Seria um verdadeiro nirvana, para quem já teve que viver com juros diários de 3%, confisco de liquidez, moratória internacional e barreiras à compra de insumos importados eficientes.
É sempre melhor ter um concorrente estrangeiro como adversário, com direitos e deveres claramente explicitados, do que ter um governo irresponsável pró inimigo, protegendo seus favoritos e destruindo a paz social, com sua negligência perante o desafio inflacionário.

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