São Paulo, terça-feira, 23 de abril de 1996
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Lembrai-vos de PC Farias

ALOYSIO BIONDI

Há cenas que ficam na memória dos povos. No Brasil, são inesquecíveis as imagens dos comícios das diretas-já, no início dos anos 80. Como ficaram na lembrança, porque igualmente simbólicas, as cenas de TV do depoimento da secretária de PC Farias na CPI do Congresso, no final dos anos 80.
Arrogante, tratando com desdém deputados, senadores e imprensa, a auxiliar de PC não hesitou um segundo ao ser indagada sobre a existência de "contas-fantasmas". Respondeu, categórica, com indignação: "Eu afirmo que tudo isso é mentira".
Passado algum tempo, a TV mostrava os cheques do esquema PC, com sua assinatura, obtidos pela CPI. Arrogância e segurança eram típicas de quem se crê fora do alcance da lei.
PC e seus auxiliares não se haviam dado conta de que a Constituição de 1988 (sempre criticada pelos poderosos) havia mudado as regras do jogo.
Com ela, as Comissões Parlamentares de Inquérito passaram a ter o poder de solicitar a quebra do sigilo bancário e, assim, investigar contas e rastrear cheques, em busca de fraudes e irregularidades.
Antes de 1988, as CPIs não chegavam a lugar algum: os acusados de corrupção simplesmente negavam as acusações e as denúncias eram arquivadas "por falta de provas".
No momento, porta-vozes do governo FHC têm exibido reações similares à da secretária de PC, esbravejando, com aparente indignação, que "não vamos admitir que achincalhem, coloquem sob suspeição" as ações do governo e, mais especificamente, do Banco Central (que meramente executa ordens) no caso Nacional e outras operações de socorro a bancos.
Com R$ 6 bilhões, R$ 8 bilhões ou R$ 10 bilhões dos contribuintes enterrados no episódio, a reação de Brasília é incompreensível.
A melhor defesa das decisões do governo FHC seria fornecer imediatamente ao Congresso relatórios e documentos, principalmente documentos, capazes de evitar dúvidas. Até hoje, essa prestação de contas não existe, sucedendo-se contradições sobre datas e valores envolvidos.
Inacreditavelmente, o Congresso não exige que ele documente suas ações -ou explique as razões das mudanças periódicas em suas versões.
Pior: nos últimos dias, procuradores da República e o próprio Tribunal de Contas da União reclamam publicamente que o BC se recusa a fornecer documentos solicitados. Com esse comportamento, o governo deixa como única alternativa ao país a formação da CPI.
O estilo 1
No começo do ano, milhares de famílias de pequenos agricultores gaúchos perderam suas colheitas por causa da seca. Ficaram na miséria.
Em qualquer país, o governo socorreria esses cidadãos-contribuintes diante da catástrofe. Não no Brasil da equipe FHC. Produtores bloquearam estrada para exigir socorro. Foram tratados como "baderneiros".
O estilo 2
Na Bahia, milhares de famílias de Irecê perderam suas colheitas de feijão, pelo segundo ano consecutivo. Não tiveram nenhum apoio oficial.
Ao contrário: ficaram nas mãos dos "atravessadores" e venderam o que restou das safras com prejuízos. Assim nascem os sem-terra: pequenos produtores arruinados que perdem seu palmo de chão.
O estilo 3
Segundo o ex-ministro da Agricultura Andrade Vieira, a falta de apoio a pequenos agricultores leva 200 mil famílias a deixar o campo. A cada ano.
Arcaicos?
No Chile, há um mês, produtores bloquearam rodovias, em protesto contra a abertura às importações do Mercosul.
Na França, Holanda, Inglaterra, são frequentes os bloqueios de rodovias, pela mesma motivação. Não são tratados como "baderneiros". Nem reprimidos com o uso de metralhadoras.
Inflação
Previsão de inverno rigoroso, ao contrário de 95 -quando tudo favoreceu o Real. Pressão sobre o preço das roupas. E de verduras e legumes, ameaçados por geadas.
Espanto
O governo alega falta de recursos para reajustar os salários do funcionalismo. Mas, na surdina, concedeu novo parcelamento de dívidas a quem não pagou impostos. Novo prazo: 84 meses. Sete anos.

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