São Paulo, terça-feira, 23 de abril de 1996
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Europeus traçam retrato da juventude

JOSÉ GERALDO COUTO
DA REPORTAGEM LOCAL

"Existe a juventude?"
A pergunta, formulada pela historiadora francesa Elisabeth Crouzet-Pavan bem no meio do livro "História dos Jovens", parece colocar em xeque toda a obra, uma realização conjunta de estudiosos de vários países europeus que chega dia 29 às livrarias brasileiras.
Surge, grosso modo, com a expansão do capitalismo e a constituição de um mercado mundial.
É só então que jovens dos mais variados países e condições sociais passam a usar roupas semelhantes, ouvir o mesmo tipo de música, cultuar os mesmos ídolos, expressar as mesmas idéias (ou a mesma falta delas).
E antes disso, como eram e como viviam os jovens? É essa pergunta difícil que os autores de "História dos Jovens" procuram responder nos dois caudalosos volumes da obra, publicada originalmente na Itália há dois anos.
A Companhia das Letras, que está lançando agora o primeiro volume ("Da Antiguidade à Era Moderna"), promete para junho a publicação do segundo ("A Época Contemporânea").
Organizado pelos historiadores Giovanni Levi e Jean-Claude Schmitt, o primeiro volume traz ensaios de oito especialistas sobre os mais variados temas, da imagem dos jovens na cidade grega (por Alain Schnapp) ao autoritarismo paterno na época da monarquia absoluta (por Renata Ago).
Juventude prorrogada
Os textos são muito diversos entre si, no que diz respeito ao estilo e à abordagem.
Todos, entretanto, ostentam um escrupuloso rigor metodológico, que leva os autores a gastarem invariavelmente as primeiras páginas de seus ensaios a explicar de que jovens estão falando.
Nessa própria definição de terreno há revelações surpreendentes. Lendo o ensaio "O Mundo Romano" (de Augusto Fraschetti), por exemplo, ficamos sabendo que na Roma antiga a adolescência ("adulescentia") ia dos 15 aos 30 anos, e a juventude ("juventa"), dos 30 aos 45.
A explicação, em linhas gerais, tem a ver com a sólida instituição do "pátrio poder" entre os romanos: "É como se a adolescência e a juventude fossem idades prorrogadas de maneira fictícia com o objetivo de evidenciar a continuação da submissão dos filhos aos pais, detentores efetivos de todos os poderes."
Fraschetti não diz, mas pode-se constatar ainda hoje a herança cultural dessa prática: basta pensar nos "vitelloni" de Fellini, marmanjos a viver eternamente sob a saia da mãe e o cinto do pai.
Cavaleiros e amantes
Dadas a pobreza e a dispersão das informações sobre a vida cotidiana dos jovens no período analisado, a maioria dos autores recorre às representações dos jovens na literatura e nas artes.
"Cavalaria e Cortesia", de Christiane Marchello-Nizia, busca os principais modelos da juventude nobre medieval nos romances de cavalaria e nas cantigas de gesta.
Suas fontes principais são "Tristão e Isolda", "Canção de Roland" e os romances do "ciclo do Graal".
Trabalhando mais ou menos sobre o mesmo período, Michel Pastoureau buscou a imagem medieval da juventude na iconografia do período (quadros, afrescos, esculturas, gravuras etc.).
Depois de notar que a imagem é significativamente seletiva (os jovens rurais e os jovens clérigos, por exemplo, quase nunca aparecem), ele se concentra em duas representações recorrentes de jovens: a do valete e a do cavaleiro. A passagem de um para o outro marcaria a passagem da infância para o mundo adulto.
Uma abordagem mais terra-a-terra é a de "Os Diversos Mundos da Juventude Judaica na Europa, 1300-1800", de Elliott Horowitz.
Por ele ficamos sabendo, entre muitas outras coisas, que no século 18, temendo um iminente controle oficial de natalidade, os judeus do Leste europeu baixaram a idade matrimonial de seus jovens para seis anos de idade. Para esses garotos, casar ou brincar de médico era a mesma coisa.

Livro:História dos Jovens - Da Antinguidade à Era Moderna
Organização:Giovanni Levi e Jean-Claude Schmitt
Lançamento: Companhia das Letras (tel. 011 866-0801)
Preço:R$ 41,50

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