São Paulo, sexta-feira, 26 de abril de 1996
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Dadá mostra o talento da baiana

NINA HORTA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Adorei o Boa Mesa 96. Gostei de tudo, tudo, principalmente do astral magnífico, coisa rara em simpósios de qualquer feitio onde sempre cabe uma inveja, uma picuinha, uma reclamação pro forma.
Não são aulas para se aprender a cozinhar. São demonstrações de grandes chefs, de chefs menores, degustações, tudo com o intuito de abrir horizontes, enfim, compartilhar.
A primeira aula da Dadá me encantou. Foi ótima. Afinal, estávamos ali, com cozinheiros de grandes currículos, discípulos de Bocuse e discípulos de discípulos de Bocuse... De repente é bom ver um show só de talento e intuição.
Dadá é uma Dercy Gonçalves, moça, mulata, bonita, simpática, com uma gargalhada debochada e gostosa da qual ela usa e abusa. Os seus restaurantes em Salvador chamam-se Os Temperos da Dadá. Dizem que ela faz lá uma nova cozinha baiana. Não me pareceu nova e sim a velha cozinha baiana, bem feita, sem excessos de dendê, nada pesada, com um abacaxi aqui e ali para agradar turistas. Abacaxi do qual ela pode se livrar sem afastar turista nenhum.
E o que é que a Dadá tem?
Tem torço de seda, tem. Tem brinco de ouro, tem. Corrente de ouro, tem. Tem pano da costa, tem. Tem bata rendada, tem. Pulseira de ouro, tem. Tem saia engomada, tem. Tem sandália enfeitada, tem.
E tem graça, como ninguém, e como requebra bem...
E cozinha. Parece um peixe dentro d'água quando mexe com seus ingredientes. Começa a explicar como escolher um polvo e enquanto isto passa a mão nele com tanto carinho que o bicho se arrepia todo. Enquanto fala, vai distribuindo sua gargalhada funda e safada e sua filosofia do fogão.
"Fartura, gente, fartura. É botar tempero com gosto. Canja de hospital é boa? Não é. Falta tempero, fica ruim, insossa. É pobre. Pena e pobreza não cabem na cozinha, não dão certo na comida. Ajudante de tromba eu peito, enfrento e não deixo cozinhar enquanto não perde a tromba. Eu, hein! A gente passa as ruindades prá comida. Não dá!"
"Olha, leite de coco é feito com água e coco. Se ralado na mão, até melhor. Azeite de dendê, pouco. Um fiozinho por cima, é o que é. E só na última hora..."
Vamos ao bobó da Dadá. Nota 10! O segredo é que o aipim é cru, ralado e refogado com os temperos e o camarão, tudo bem fresquinho.
Preciso dizer a vocês que a baiana é um pouco deslumbrada com os grandes nomes que comem de sua comida e deixa-os cair na conversa como moedinhas de ouro. É um tal de Jorge, um tal de Caetano. Compreensível.
Como ela própria conta, tudo começou no seu quintal, cheio de galinhas ciscadeiras, um varal de roupas íntimas e garra para valer. Hoje, a fama.
Enfim, Dadá é inteligente, gostosa e bonita. Como a comida brasileira pode ser.

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