São Paulo, domingo, 28 de abril de 1996
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Reduzir corrupção é possível, diz Pérez

DO CONSELHO EDITORIAL

Leia mais trechos da entrevista, via Internet, com Carlos Andrés Pérez:
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Folha - A corrupção passou a ser tema dominante na América Latina. Como o sr. vê o tema?
Pérez - O problema da corrupção alcançou uma dimensão muito importante na agenda latino-americana, o que me parece conveniente e saudável. Não há e não haverá sociedade que consiga libertar-se dela. Mas é possível e indispensável reduzi-la a uma expressão mínima, de forma que não se tolere nem se admita como uma prática compatível com a vida de nossas sociedades. Em nossa América Latina, esses vícios estiveram muito vinculados à arbitrariedade na ação econômica dos governos.
Não quero, neste ponto, deixar de mencionar minha situação pessoal. Neste longo e absurdo processo que durou três anos, com um ano de minuciosa substanciação, não se menciona sequer um fato que possa significar benefício pessoal ou para um terceiro.
O famoso expediente de 40 mil folhas só apresenta, como supostos delitos, ter pago com fundos da verba secreta uma missão policial à Nicarágua e ter ajudado economicamente a campanha da candidata Violeta Chamorro. Sem que se apresentem provas, no expediente, em um e outro caso.
Folha - O sr. pretende voltar a disputar eleições? Quando e qual?
Pérez - Mantenho-me em atividade. Continuarei lutando pela democracia na Venezuela e na América Latina e por uma nova ordem mundial. Não creio que possa colocar-se uma nova possibilidade eleitoral, considerando-se que tenho 73 anos.
Folha - Como o sr. analisa o panorama geral da Venezuela, mergulhada em uma profunda crise?
Pérez - Custará trabalho e tempo tirar a Venezuela da crise em que a afundou o governo do presidente (Rafael) Caldera. Nestes dois últimos anos, provocou-se um violento retrocesso do país.
Dois fenômenos essencialmente o caracterizam: a reconcentracão da riqueza em poucas mãos e a desnacionalização da empresa nacional. A nação se empobreceu, a recessão diminuiu o consumo em cifras alarmantes, próximas a 50%. O desemprego aberto está em 20% e o emprego informal, em 49%.
O déficit fiscal catapulta a inflação. No momento em que respondo a seu questionário, se espera o anúncio do presidente que implicará um conjunto de medidas macroeconômicas. Não tenho muita confiança na profundidade dessas medidas como tampouco em sua eficiência. Além dos altíssimos aumentos de impostos e tarifas, se requer todo um plano que estimule a recuperação do investimento.
Folha - Como o sr. analisa o panorama geral da América Latina, em especial a hegemonia da tese dita neoliberal?
Pérez - Não creio que a solução para nossas economias sejam as tão faladas políticas neoliberais. As ortodoxias rígidas na economia fracassaram em todo o mundo.
O que se necessita é a racionalização e a modernização da economia, liberando-a de orientações paternalistas e protecionistas. Mas sem despojar o Estado de certa capacidade interventora para corrigir os funestos desvios do mercado provocados pelos monopólios e oligopólios que predominam em nossas economias.
Ademais, a debilidade intrínseca a nossos processos torna peremptória, em muitos casos, como o venezuelano, o domínio pelo Estado de suas empresas estratégicas básicas, sem que seja óbice para reconhecer e propiciar que o investimento esteja em mão do setor privado e que devam privatizar-se empresas em mãos do Estado.
Folha - Há espaço hoje para a social-democracia, que parece confundir-se com o liberalismo?
Pérez - Há a tendência a falar-se do fim das ideologias. Não cabe a menor dúvida de que a modernidade, com a avassaladora presença da ciência e da tecnologia, provocou mudanças profundas e radicais no mundo.
A social-democracia aponta para o progresso social, para a consideração do homem como ser coletivo, predominante sobre o indivíduo, e ao bem-estar como patrimônio da sociedade, procurando o benefício para as maiorias, propiciando o apoio e a proteção dos mais pobres e promovendo correções na força dinâmica centrípeta do capitalismo, que induz à concentração do capital.
O tema fundamental da América Latina hoje tem de ser a integração. O que envolve, principalmente agora, a abertura econômica sem temer a opção futura do Tratado de Livre Comércio hemisférico, opção a médio e longo prazo.

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