São Paulo, domingo, 28 de abril de 1996
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Brasil dá adeus às ilusões

GILBERTO DIMENSTEIN

A cada hora, cinco empresas, devidamente registradas, desaparecem no Brasil. Em compensação, a cada minuto (repito, minuto) uma nova é criada: algo próximo de meio milhão por ano; 147 mil apenas em São Paulo.
Coletados pelas juntas comerciais, esses números devem ser vistos com cautela, porque misturam empresas dos mais variados tamanhos -e nem todas as empresas que abrem ou fecham têm registro. Muitas preferem a clandestinidade sem impostos.
Meio milhão de novas empresas é apenas um detalhe. Aumenta o valor médio dos salários, a inflação está baixa, faltam geladeiras no mercado, nunca se consumiu tanta comida, e os supermercados jamais venderam tanto. Nunca tantos brasileiros viajaram ao exterior, aumentam os investimentos externos, as exportações batem recordes.
Apesar desse elenco de boas notícias, o ânimo do brasileiro piora, a ponto de empresários e sindicalistas discutirem uma greve conjunta.
Por que, apesar de tantos fatos positivos, aumenta a insatisfação?
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É um fenômeno que também se vê por aqui. Os EUA bateram os japoneses, não enfrentam mais o "perigo comunista", a economia não pára de crescer, suas universidades são as melhores do mundo, a taxa de desemprego, comparada à da Europa, é baixa. A inflação é desprezível, mas eles se imaginam derrotados.
Em 1960, 41% dos americanos confiavam no governo; hoje são 10%. Os principais analistas do país admitem que a ansiedade tem raízes mais profundas. Tem a ver com a insegurança causada pela velocidade das mudanças culturais e tecnológicas.
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Acabar com a inflação era uma utopia nacional, a solução dos nossos problemas, um sentimento tão forte que levou FHC, um político sem apelo popular, à Presidência da República.
Os preços incontroláveis, ao saírem do topo das preocupações nacionais, mudaram a agenda brasileira. Caímos na real e estamos vendo, dolorosamente, que as soluções, agora, não dependem de decretos ou medidas provisórias, capazes de surtir efeito com rapidez.
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Com o fim da inflação, as pessoas estão descobrindo exatamente quanto ganham. A imensa maioria ganha pouco, muito pouco. E por muito tempo, por mais que o país cresça 7% ao ano, vai continuar ganhando pouco.
Isso se tiverem a sorte de não perder o emprego para uma nova máquina ou para a competição frenética e muitas vezes desleal de um país asiático.
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A imensa maioria do povo brasileiro está destinada a aposentadorias medíocres, escolas públicas vergonhosas, universidades despedaçadas, corroídas pelo corporativismo, um sistema de saúde homicida. Vai demorar para que as cidades sejam pacificadas, descontaminadas da violência.
O Brasil vive em permanente estresse, envolvido em velozes mudanças. Sofre, ao mesmo tempo, problemas de país de primeiro e terceiro mundo, em meio a governos incompetentes e omissos.
Lida com o impacto tecnológico de computadores de última geração e com o cólera e os massacres no campo.
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Os empresários enfrentam, simultaneamente, competição externa, diferentes regras econômicas, novas tecnologias, juros altos, baixo preparo educacional dos trabalhadores e carência de linhas telefônicas. Num cenário assim, só os teimosos continuam a contratar e a investir.
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Para completar, a máquina pública está dizimada, e vai demorar gerações até se reciclar. Por melhor intencionados que sejam, os governantes sentem-se amarrados, não vêem seus planos decolar, atolados na baixa motivação do funcionalismo.
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Mas melhora a qualidade dos homens públicos. Um número maior de empresários demonstra sensibilidade social; sindicalistas agem mais pragmaticamente.
Ainda são poucas, mas se disseminam boas experiências privadas para reduzir a exclusão social.
Aumenta a coleção de boas experiências públicas. As administrações do PT têm apresentado, na média, um excepcional serviço. Cada vez mais, cidades adotam programas de renda mínima vinculados à educação.
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Com seus indicadores sociais, o Brasil está mal, muito mal, poderia ir muito melhor. Pelo menos, não está parado nem andando para trás.
Somos um doente que ainda está no hospital, mas já saiu da UTI.
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Acaba de sair um livro do cardiologista Herbert Benson, da Universidade Harvard, sobre o efeito de pensamentos negativos na saúde. O livro se chama "O Poder e a Biologia da Crença".
Foram 13 anos de estudo, acompanhando 2.832 americanos, com a ajuda de pesquisadores do Centro Nacional de Estatísticas.
Conclusão: os pessimistas tendem a morrer mais facilmente do coração.
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PS - Ao propor greve contra o desemprego, a Fiesp e a Confederação Nacional das Indústrias vendem uma ilusão -a de que os empresários nada têm a ver com as demissões, apenas o governo. O primitivismo intelectual deveria ter algum limite.

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Fax (001-212) 873-1045

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