São Paulo, domingo, 28 de abril de 1996
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segura o tchan

MARIO VITOR SANTOS

chegará o momento em que tudo se resolverá para o bem da humanidade, apesar dos sinais em contrário
Movimento golpista no Paraguai. Comunistas sonham em retornar ao poder na Rússia (e recriar a União Soviética, em aliança com o neofascismo). Massacres deliberados contra civis no Oriente Médio. Ameaça de guerra nuclear EUA-China por Taiwan. Vitória inédita da aliança de esquerda na Itália. Derrubada de avião com rebeldes anticastristas na costa cubana. Escaramuças na zona "desmilitarizada" entre as Coréias. Guerra camponesa no Brasil...
Os sinais transmitidos pelo mundo lembram cada vez mais aquele outro cuja existência tinha sido dada por encerrada quando se esfarelou o muro de Berlim. O anunciado fim da história, com seus sabores (por sinais alusivos também à utopia marxista) de harmonia, paz contínua e progresso universal, sob a égide americana e sua nova ordem, não vingou.
(Vale ressalvar como aspecto positivo que a inflação está em queda em todo canto, impulsionada pela moda da disciplina econômica e a diminuição das barreiras comerciais entre os países).
A pacificação do mercado de trabalho tem sido conquistada a demissões. No mundo rico, o número de greves caiu de 145 para 100 dias de trabalho por ano por grupo de mil trabalhadores nos últimos cinco anos. Quem quer ir à greve, se procissões de desempregados em plena idade produtiva arrastam-se pelas ruas das grandes cidades à espera de um emprego que nunca aparece?
É mais ou menos evidente que o novo modelo social criado pela automação -as máquinas que produzem máquinas- imposta pela competição sem limites tende a resultar em explosões de violência incontroláveis. Dá pena ver as boas intenções perdidas em países pobres e desiguais como o Brasil, onde a estrutura do Estado, as leis e a sociedade não são capazes de prover mecanismos compensatórios para a falta de emprego, que vem agravar o impacto perene da miséria.
Ouve-se aqui e ali uma conversa de que o desemprego é inevitável e pode até ser bom: no futuro, as sociedades deverão mesmo se transformar em espécies de paraísos cibernéticos de lazer para milhões de cidadãos ocupados (quando for necessário) com formas engrandecedoras de trabalho. É curioso, pois essa balela lembra o projeto social sem dominação do "estágio superior do comunismo".
Cinquenta anos depois do lançamento da "Revolução dos Bichos", de George Orwell, estamos mais próximos do paradigma da "empresa de um homem só". Fora dela, haverá um imenso vazio. O Estado ameaça virar um ente fractal. Seu papel intermediário de dominação e criação de consensos será dispensável. Como na utopia comunista, chegará o momento do tchan capitalista, em que tudo se resolverá para o bem, apesar de todos os sinais em contrário.

E mail: msantos@folha.com.br

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