São Paulo, segunda-feira, 29 de abril de 1996 |
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Fim da luta de classes
JOÃO SAYAD A greve geral prometida pela Fiesp e pela Força Sindical fez me lembrar de meu pai. Quando eu era pequeno, meu pai, um pequeno comerciante repetia sempre o mesmo conselho: seja empregado, não patrão. Vida mais tranquila, renda garantida no fim do mês, aposentadoria certa. Que ele comparava com as incertezas do seu dia-a-dia, as contas a pagar, as contas a receber que não recebia, as dores de cabeça com funcionários, as preocupações constantes.Nosso vizinho, por exemplo, era gerente de uma grande multinacional. Enquanto meu pai nunca tirou férias durante toda a sua vida, o vizinho viajava regularmente para a Europa, o que era caríssimo nos anos 50, jogava golfe com estrangeiros no clube de campo. Eram os bons tempos do fordismo. Hoje em dia, as coisas mudaram. O empregado, coitado, está virando capitalista. O que diferenciava o trabalhador do capitalista? Além do fato de o trabalhador vender trabalho, e o empresário comandar capital, havia outras diferenças importantes: o trabalhador acertava o salário antes e independentemente do andar diário dos negócios do capitalista. O salário era rígido relativamente às oscilações de produção, vendas e preços que ficavam por conta do capital do patrão. Trabalhava 30 anos e tinha como recompensa, ao final desse período, uma aposentadoria garantida pelo salário dos mais jovens que continuavam trabalhando. Com a queda do Muro de Berlim, a ascensão do presidente Reagan, da primeira ministra Tatcher e do neoliberalismo de forma geral, acabaram-se essas divisões de classes. Agora, os trabalhadores estão se tornando capitalistas, como mostra essa promessa de greve. Os seus salários mensais oscilam como os lucros: se houver demanda, trabalham e ganham salário. Se a demanda cair, deixam de trabalhar e ganhar salário. Como um bóia-fria, que é contratado no período de colheita, quando chega o período do plantio ou de roçar a plantação. Aí, eles trabalham. Quando não há o que fazer, não trabalham, nem ganham. Se sobe o preço da cana, o salário por hora aumenta. Se cai o preço da cana, cai o salário por hora, e diminui a renda do trabalhador. Exatamente como os capitalistas que recebem lucro. É o que pretende a flexibilização da CLT tão demandada por trabalhadores e empresários. Agora, nos países mais avançados, os trabalhadores são obrigados a guardar uma parte do salário que recebem que é investido, por meio de fundos de pensão ou empresas de previdência privadas ou públicas em capital. Assim, a sua aposentadoria depende do retorno do capital. Mais uma razão para afirmar que se tornaram capitalistas. Se os capitalistas do Chile forem bem, e a lucratividade do capital for boa, a poupança dos trabalhadores nos fundos de pensão será bem remunerada, terá uma bela taxa de retorno e as aposentadorias serão altas. Se a economia do Chile tiver taxas de lucros menores, o retorno dos fundos investidos para a aposentadoria serão menores. Exatamente como se fossem capitalistas. E os operários agora vivem todas as emoções do capitalismo. Se, Deus nos livre, o mercado financeiro internacional passar por uma grande crise que jogue o preço das ações para baixo ou quebre bancos e corretoras, os recursos guardados para a aposentadoria podem encolher bastante, e as aposentadorias serão menores. Assim, as observações do meu pai que eram absolutamente corretas para os anos gloriosos do capitalismo, ficaram para trás, porque mudou a história. Hoje, o trabalhador é um capitalista: compartilha das mesmas idéias e de todas as desvantagens do capital. Se as vantagens também forem transferidas, os trabalhadores viram capitalistas, acaba a história e a luta de classes. E poderíamos entender essa greve. Texto Anterior: Última chamada; Depois das mudanças; Sem condições; Sem comentários; Área alfandegada; Mão do acionista; Recebendo antes; Aumento de capital; Empresa recorre; Peso dos créditos; Rodando bem; Ganhando altura; Herança pesada; Cardápio variado; Refeição-convênio; Perdas no campo; Novas atividades; No vermelho; Máquinas operatrizes; Controlador carioca; Controlador paulista Próximo Texto: Seguros, é hora de pôr o pé no breque Índice |
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