São Paulo, segunda-feira, 29 de abril de 1996
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Seguros, é hora de pôr o pé no breque

ANTONIO PENTEADO MENDONÇA

Eu já escrevi nos últimos artigos publicados nesta Folha que as companhias de seguro, ao longo de 1995, ganharam dinheiro como gente grande, com algumas delas, ligadas a conglomerados financeiros, representando mais da metade do lucro do grupo, deixando o banco, que sempre foi o carro chefe, muito para trás. Essa situação foi fruto do impacto surpreendente do real sobre o faturamento da atividade, que, em dois anos, saltou de US$ 5 bilhões para US$ 14 bilhões.
A soma de fatores favoráveis, englobando o aumento da procura pelos seguros de pessoas, especialmente vida e saúde, e a queda da sinistralidade na carteira de automóveis, fez com que o setor fechasse o ano com um crescimento de mais 16%, sobre os quase 100% verificados em 1994.
O resultado dessa explosão pode ser visto nos balanços referentes ao ano passado, onde pouquíssimas seguradoras deixaram de apresentar lucros altos e índices combinados, o que é mais importante, positivos.
Mas parece que segurador não gosta de ganhar dinheiro, ou, quem sabe, ainda não entrou na cabeça de boa parte dos diretores das companhias de seguros que a festa da inflação acabou, e que agora a regra do jogo tem por chave a palavra competência. O que se vai vendo no mercado é uma guerra estúpida na carteira de automóveis, com apenas duas grandes seguradoras se recusando a entrar nela. Algumas companhias chegam ao absurdo de manterem os comissionamentos, nas cidades do interior, na casa dos 45% do prêmio, o que inviabiliza qualquer chance de ganharem dinheiro com o negócio, porque os seus custos administrativos estão na casa dos 15% e os sinistros ao redor de 60%.
Essa situação não é nova. Ao longo de 1993, o mercado amargou prejuízos operacionais de vulto, que aumentaram no primeiro semestre de 1994, e só não levaram várias empresas à liquidação extrajudicial porque o Plano Real, no segundo semestre daquele ano, proporcionou ao setor de seguros o maior lucro de toda a sua história. E o que aconteceu em 1993 e no primeiro semestre de 1994 foi a mais tola de todas as guerras de preço.
O lucro salvador foi gerado pela conjunção de medidas saneadoras da carteira de automóveis com as consequências do Plano Real, e, graças a ele, as seguradoras reverteram um quadro delicado, que ao longo de 1995 ainda manteve patamares altos de rentabilidade, com a linha decrescendo ao longo do exercício.
Quer dizer, os lucros altos foram conseguidos na primeira metade do ano, com o segundo semestre apresentando, nos seguros de automóveis, uma piora expressiva, que, já em novembro, transformava-se em prejuízo operacional nas contas consolidadas do mercado.
De acordo com dados da Susep (Superintendência de Seguros Privados), a carteira de automóveis continua sendo a maior de todas, significando algo próximo dos 35% do total do faturamento do setor.
Só que a sua sinistralidade também é a maior de todas, significando algo próximo dos 38% do total pago pelo mercado. Vale dizer, proporcionalmente o peso dos sinistros é maior do que o peso do faturamento, ou seja, a carteira de automóveis é deficitária.
Mas, mais grave do que isso, ao longo dos últimos meses de 1995 observou-se uma diminuição sintomática de mais de 20% no faturamento bruto dos seguros de automóveis em comparação com a média do primeiro semestre, e isso aconteceu sem que tenha havido uma queda maior no número de apólices emitidas, nem tampouco a sinistralidade do período.
Apesar de terem esses dados, que por si só deveriam ser suficientes para uma alteração profunda de suas políticas comerciais, um bom número de companhias de seguros entrou em 1996 fazendo exatamente o contrário e baixando ainda mais os seus preços.
Como a queda no valor dos automóveis usados se estabilizou, havendo mesmo uma recuperação no preço dos modelos mais recentes, e como alguns modelos de automóveis zero já estão sendo comercializados com valores acima do seu preço de fábrica, uma das pernas que sustentava a sinistralidade da carteira abaixo dos 60% do faturamento começa a mancar.
O ruim da história é que a outra perna, a representada pelas perdas parciais, já mancava faz tempo, com os custos de mão-de-obra e peças subindo mês a mês bem acima da inflação. O resultado desse aleijão não será o equilíbrio em função das duas pernas mancarem, o resultado será com certeza um belo tombo, começando pelas seguradoras menos capitalizadas, ou seja, pelas seguradoras menos solventes.
Como os prognósticos mais pessimistas prevêem uma inflação anual abaixo dos 20%, e como os juros vão caindo lentamente, dificilmente o resultado financeiro será suficiente para alterar o quadro, com a agravante de que ele deve piorar ao longo dos meses. Ou essas seguradoras metem imediatamente o pé no breque, ou, antes do segundo semestre, nós teremos problemas com o pagamento de indenizações.

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