São Paulo, terça-feira, 30 de abril de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Desempregos e desempregos

LUÍS PAULO ROSENBERG

Volta às manchetes o assunto do desemprego. Do lado da oposição, o Plano Real é condecorado com a medalha de responsável supremo pela situação atual, enquanto o governo afirma que se trata de fenômeno normal, mundial, estruturalmente inserido no avanço das economias de mercado.
Como ambos os lados estão certos e errados, vale o esforço de esclarecer.
Comecemos com o caráter estrutural do desemprego que assola os países do Primeiro Mundo. Aí, é preciso diferenciar as situações das economias, como a da Alemanha e a dos EUA.
Na Alemanha, o desemprego é resultado de décadas de social-democracia, nas quais um Estado paternalista vem subsidiando a Previdência, o carvão local, o ensino superior gratuito e a absorção generosa dos primos pobres da Alemanha comunista, enquanto se pagam os maiores salários do mundo no setor privado.
Eis aí uma contradição que se pode sustentar por vários anos quando o país é rico como a Alemanha; mas, no final, a lógica prevalece e o ajuste, quando se faz, é custoso e prolongado.
Mas não tem nada de permanente; é questão de voltar o respeito ao mercado, para que a economia reabsorva trabalhadores desempregados.
Já nos EUA, a produção de desempregados é outra face positiva de liberalizar uma economia. De fato, desemprego gerado por ganhos expressivos de produtividade não produz miséria. Pelo contrário: a riqueza gerada é crescente e o produto maior.
Assim, parte dos demitidos encontra ocupação no setor de serviços, pois a criação de necessidades pelo gênero humano é ilimitada; quanto mais ricos, mais criativos são os consumidores nas suas exigências.
Parte dos demitidos aposenta-se mais cedo: é bom lembrar que, se o trabalhador tem um plano de aposentadoria, por meio do fundo de pensão da empresa em que trabalha, quando a Bolsa de Nova York dispara, por efeito dos lucros crescentes das "corporations", o valor de sua cota sobe além do programado, permitindo que um plano de contribuição que lhe garantiria aposentadoria tranquila aos, digamos, 65 anos, antecipe-se para os 45 ou 50 anos de idade.
Ou seja, o americano é um desemprego acompanhado de fartura e novas oportunidades para o demitido escolher caminhos, seja como pequeno empresário, seja caindo no lazer.
No caso brasileiro, ao se derrubar a inflação de 50% ao mês para 5% ao semestre, por um programa de abertura da economia, provoca-se, no curto prazo, uma liberação muito rápida de mão-de-obra do setor mais protegido, a indústria, que não é acompanhada pelo ritmo de absorção do setor de serviços.
Até aí, há realmente um desemprego que seria de responsabilidade do Plano Real, mas que é também transitório e nada estrutural.
O grosso do nosso desemprego, entretanto, está sendo produzido pela administração alienada do plano. A combinação de juros massacrantes e déficit fiscal torna-se haraquiri para os setores público e privado.
O crescimento assustador da dívida pública, a quebradeira generalizada, o desespero dos sem-terra, os milhares de desempregados do ABC não são resultados de estabilização econômica, mas do excesso de zelo da atual equipe que, surda aos apelos do bom senso, insistiu nessa grotesca tragédia de destruição do parque produtivo nacional.
Não há como despejar a culpa desse sofrimento sobre os ombros franzinos do Plano Real. No curto prazo, juros estratosféricos explicam quase todo o descalabro provocado.
Nos próximos anos, entretanto, há uma combinação que pode ser mais mortífera ainda: âncora cambial e manutenção do atual "custo Brasil", pela estagnação das reformas.
Aí, teríamos a eliminação da indústria nacional, pelo menos na escala que hoje alcançou. Algo que justificaria até uma aliança de trabalhadores e empresários para forçar a modernização do Brasil.
Ou uma reforma ministerial, trocando gente que não fez ou fez mal por políticos experientes e que saibam jogar em equipe.

Texto Anterior: Linha aberta; Linha branca; Esticando o prazo; Índice uniforme; Sem correção; Em licitação; Parecer do auditor; Pontes sazonais; In loco; Endividamento elevado; Quem define; Capital votante; Quarentena discutível; Em deliberação; Não bate
Próximo Texto: Os empresários e o governo sem-lei
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.