São Paulo, terça-feira, 30 de abril de 1996
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O design é a bola da vez e pode ajudar o Brasil

SÉRGIO DIMAS GUARDADO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Você está cercado de design por todos os lados. Há design no seu sapato, na cadeira em que você senta, no prato em que come, no rádio, no livro, na lixeira, na sua cueca, na embalagem, no chão que você pisa.
Tudo à sua volta foi projetado (designed). Você é uma ilha de natureza cercada de design por todos os lados.
E a coisa promete piorar. A estabilização, os importados nas prateleiras, os vôos baratos para Nova York estão transformando a classe média, de consumidora de preço baixo, em consumidora de design.
E dando um safanão no empresariado, que desperta para a importância de incluir design em seus produtos.
Com o programa, o governo reconhece no design um atributo de qualidade, que se transforma em valor intrínseco do produto.
O design é a bola da vez. Na esteira do programa, a Fiesp realiza reuniões multissetoriais sobre o tema. As recentes Bienal da Associação dos Designers Gráficos e Panamericana Graphic Design, o lançamento da ótima revista "Projeto Design", os debates no Museu da Casa Brasileira, tudo isso põe fogo no assunto.
E agora, amadurecendo as condições e soando as trombetas do financiamento, o que é que nós vamos fazer?
"Bom design é bom negócio", sentenciava o dinamarquês Arne Jacobsen. Boa parte dos empresários já usa o design com desenvoltura (a própria Folha, com muita propriedade, fez de seu novo design um evento de marketing); outros o utilizam com perplexidade, com a sensação de jogar dinheiro fora. Há ainda os que simplesmente ignoram sua existência.
A deliciosa polêmica sobre o uniforme do Santos, por exemplo, embora poucos se dêem conta, é pura conversa de design, e sobre a confusão de design com desenho. Discute-se o arlequinal calção xadrez que, por inadequado, deveria ser substituído por faixas finas, listras grossas etc. (Alguém deveria se lembrar de que a faixa é a forma mais primata da comunicação visual.)
Vira tudo uma questão de desenho, e em desenho e futebol todo mundo dá palpite, tipo gosto-não gosto. A questão de design seria: como, usando o branco e o preto, e sem confundir-se com os calções adversários, simbolizar a mística do Santos de Pelé e Coutinho, o de Giovanni e o do século 21?
Porque é isso que faz o design: personifica entidades, torna visível o abstrato. O design, e não a faixinha, listrinha ou bolinha. Mas isso já é outra história.
"O feio não se vende", lembrava aos empresários o franco-americano Raymond Loewy. Aos designers talvez coubesse perguntar: é feio vender?
Porque se, entre os empresários mais renitentes, sobrevive a noção de que o design é um adereço supérfluo, do lado dos designers há que vencer os últimos bastiões de desconfiança frente à indústria e ao mercado.
Persiste em certos cantos a idéia de que haveria um design-arte, puro e "desinteressado"; e outro, abominável design de resultados, submisso aos ditames da indústria, voltado apenas para o lucro pecaminoso.
Design é arte aplicada. Pretende elevar, dar transcendência à coisa projetada. Todo design aspira à sedução. O cartaz cultural, a fachada de banco, o livro de arte, a cadeira chique ou a embalagem de chicle.
Design é a aliança entre dois mundos originalmente distintos. Daí sua condição "blade runner", de síntese tensa (e densa). Design é cheio de inferno e céu. Os empresários estão entendendo, os designers estão entendendo. Como tudo ultimamente, rápido como um zap.
Velho exportador de "commodities", o Brasil pode ter no design a alavanca para passar a exportar marcas (vide o sucesso do bombom Garoto na Argentina). País rico exporta marca. Pobre exporta produto agrícola. Não é a toa que Itália e Dinamarca têm no design componente expressivo do PIB.
O design pode ajudar o Brasil. Para o design brasileiro, chegou a hora de mostrar quem tem garrafa para vender.

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