São Paulo, quarta-feira, 1 de maio de 1996
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A revolução agrária

PEDRO DE CAMARGO NETO

A recente tragédia do Pará voltou a colocar em evidência a questão social no campo.
As discussões sobre se o Poder Executivo está ou não cumprindo o número de assentamentos prometidos se acirram. Poderes Legislativo e Judiciário são chamados a priorizar a questão agrária. Será desta vez que o Brasil equacionará a questão social do campo?
Infelizmente, mesmo que os Poderes da República agilizem suas ações, motivados pelo triste aumento de injustificada violência, não acreditamos que a questão social do campo se alterará da maneira necessária e possível.
A reforma agrária em discussão continua sendo o modelo de intervenção estatal pontual: concentra-se no micro, ignorando e, mesmo, deixando que se deteriore o ambiente macro no campo.
1995 foi o ano recorde de assentamentos. O governo Fernando Henrique quase cumpriu a promessa de assentar 40 mil famílias. Assentou em um ano mais do que qualquer outro governo.
Foi também o ano recorde de desassentamentos. O plano de estabilização, aliado à total ausência de medidas compensatórias mínimas, provocou brutal transferência de renda do setor agropecuário, com sérios reflexos no campo.
O saldo da questão social no campo é, certamente, também um trágico recorde.
A reforma agrária tradicional divide-se em duas intervenções estatais diretas: a arrecadação de terras e o assentamento de sem-terra.
O ato de desapropriar já se mostrou uma tarefa administrativa extremamente complexa. Somente como exemplo, citamos o número de escândalos referentes a avaliações de preços de terras que vieram à tona.
Está mais do que provado que é difícil para o Estado arrecadar uma área significativa de terras de maneira eficiente e transparente.
O ato de assentar é também difícil e dispendioso. Prova disso é o elevado percentual de assentamentos realizados no passado ainda dependentes da tutela e de recursos do governo.
Assentamento emancipado e bem-sucedido é a exceção e não a regra. Dificilmente o governo FHC irá cumprir a promessa de realizar o total de 280 mil assentamentos durante seu governo.
Caso consiga, o que sinceramente desejo que ocorra, a questão social no campo continuará grave, provavelmente pior do que no início do seu governo.
Reforma agrária na virada do milênio precisa ser mais do que desapropriar e assentar. O modelo tradicional de intervenção direta e pontual concentrado no micro é insuficiente para atender a crescente deterioração da qualidade de vida no campo.
É preciso modernizar o processo, alterando de maneira drástica o ambiente macro no sentido de induzir uma reversão no fluxo migratório.
A política de comércio exterior precisa ser urgentemente enfrentada. Os produtos agropecuários não podem mais continuar a ter tarifas mínimas sustentando setores com proteção relativa muito mais elevada.
A matriz produtiva hoje é outra exigindo um novo modelo de política. A inoperância dos instrumentos de defesa comercial é totalmente inaceitável.
A estrutura tributária precisa ser modernizada. Ao exportar impostos junto com a produção agropecuária, exportam-se também postos de trabalho e parte importante da qualidade de vida do homem do campo.
A prioridade que o governo deseja oferecer para a questão agrária precisa ser a mesma da inadiável reforma tributária. Foram exportados mais de 40 mil empregos, junto com os impostos, na produção agropecuária em 1995.
O juro escorchante precisa ser enfrentado. Trata-se de um vetor de desestruturação do setor produtivo, com seriíssimos reflexos na capacidade de gerar riquezas e qualidade de vida -em particular no campo, onde é impossível repassar o custo de juros para o consumidor.
O diferencial entre juros internos e externos altera de maneira drástica a balança comercial e o nível de atividade econômica e social.
As regiões do país, fronteira de desenvolvimento, onde a atividade econômica restringe-se a extração madeireira, mineração e produção agropecuária, precisam receber investimentos sociais em saúde e educação, além de infra-estrutura.
É preciso reconhecer que a intervenção tradicional por meio de desapropriações e assentamentos é insuficiente. É preciso uma política nacional que vise gerar emprego e distribuir renda.
A reforma agrária da modernidade exige uma política macro para o campo, uma verdadeira revolução agrária. Reforma agrária é pouco.

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