São Paulo, quarta-feira, 1 de maio de 1996
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Dívida pública

ANTONIO DELFIM NETTO

O rápido crescimento da dívida líquida do setor público (União, Estados, municípios e empresas estatais) tem sido objeto de preocupação porque ele pode gerar uma inconsistência intertemporal na política antiinflacionária.
A dívida total líquida visível passou de R$ 153 bilhões em 31/12/94 para R$ 211 bilhões em 31/12/95, e nos primeiros dois meses de 1996 já chegou a R$ 220 bilhões, atingindo a 33% do PIB, contra 29% no fim de 1994.
Esses números escondem o fato de que a dívida interna líquida tem crescido ainda mais depressa, passando de 20% do PIB no final de 1994 para 27% no final de fevereiro de 1996, enquanto a dívida externa líquida caiu de 8% para 6% do PIB no mesmo período.
No ano de 1995 a dívida consumiu um total de juros reais correspondente a 5,4% do PIB, devido à fantástica taxa de juro praticada para sustentar a valorização do real.
A deterioração das contas públicas produzida pela simultânea acumulação de reservas e pela taxa de juro "escorchante" pode ser vista no quadro abaixo, que registra o superávit (sinal negativo) e o déficit (sinal positivo) primário e operacional e o montante de juros dos últimos três anos:

Déficit em % do PIB
-----------------1983 / 1994 / 1995
Primário -2,6 -5,2 -0,4
Juros 2,4 3,8 5,4
Operacional -0,2 -1,4 5,0

Fonte: Bacen, Boletim: março 1996

Vemos que não apenas o superávit primário foi dramaticamente reduzido (de 5,2% do PIB em 1994 para 0,4% em 1995) como a despesa com juros cresceu em 1,6% do PIB.
Se o superávit primário de 1994 tivesse sido mantido, teríamos terminado o exercício de 1996 com equilíbrio. Isso a despeito da tragédia imposta pela política monetária restritiva que elevou a taxa de juro real dos títulos federais a 33% no ano.
A redução da taxa de juro, portanto, sendo muito importante, talvez não seja, por si mesma, capaz de inverter a situação. É preciso voltar a um superávit primário da ordem de 2,5% a 3%, sem o que dificilmente o déficit operacional de 1996 poderá registrar um avanço significativo na direção do equilíbrio. Por que isso é fundamental?
Porque a idéia de que a dívida pública vai crescer permanentemente acima do PIB pode levar os agentes a concluírem que existe uma inconsistência intertemporal que mais cedo ou mais tarde levará à sua monetização, trazendo de volta a inflação.
O Banco Garantia acaba de publicar um magnífico trabalho dos economistas Alberto Furuguem, Luis Pessôa e Satossi Abe sobre o problema da dívida pública. São três excelentes profissionais treinados no Banco Central que produziram um documento que vale a pena ser lido.

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