São Paulo, quarta-feira, 1 de maio de 1996
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A modernidade do choro

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - Não tenho certeza, mas acho que JK, nos cinco anos de seu governo, mudou quase cem ministros. Ele dizia, com a simplicidade de quem estava de bem com a vida, que não tinha compromisso com o erro. Ao lado de suas 30 metas, esse era o seu programa. Pode ser que o slogan (50 anos em 5) seja esquemático e simplório, mas hoje se reconhece que seu período foi o mais dinâmico e feliz de nossa história.
Penso nas duas horas que FHC passou consolando a ministra que ia ser demitida. Ficou feio para a ministra e para o presidente. Afinal, o cargo é dele e a ministra devia ser a primeira a saber disso. Alega-se que a ministra abriu o berreiro não por causa do cargo, mas pela forma que a notícia lhe chegou.
Todos sabemos que ela abriu o berreiro por causa da queda que estava prevista e anunciada há tempos. Não ignorava que o seu ministério era moeda no balcão da futura reeleição presidencial.
O choro a deixou mal: até hoje não descobri a competência técnica que ela própria se atribui. Ri muito, em horas não-devidas. Chora também em indevidas horas. No mais, era uma funcionária de linha e uma política sem linha.
Mas o erro foi também presidencial. A preocupação de agradar a todos é uma das características dos tolos -isso vem desde os filósofos pré-socráticos. Se para deslocar um ministro é necessário gastar uma semana e um massacre de camponeses, a modernidade pretendida por FHC fica parecendo a mesma dos imperadores romanos que para mudarem um procurador na Judéia ou um general na Gália demoravam dois anos. Tinham atenuantes.
FHC alega que sua modernidade se baseia na globalização da economia e não em casos pessoais. Na virada do século, um professor de Londres escrevia a Anatole France: "Com a hegemonia militar inglesa, meu caro, o mundo ficou globalizado economicamente para sempre. A história acabou".

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