São Paulo, quarta-feira, 1 de maio de 1996
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Por um novo contrato social

PAULO PAIVA

No passado, as comemorações do Dia do Trabalho notabilizaram-se por seu caráter grandioso. O evento alusivo ao 1º de Maio bem refletia todo o arcabouço institucional construído a partir do Estado Novo, com absoluta prevalência do poder público. O governo promovia atos oficiais, de natureza festiva. Os trabalhadores, passivamente, eram alvo de homenagens e desfiles.
Esse modelo esgotou-se. O contrato social, então concebido sobre uma vigorosa ação estatal, no qual o poder público provia todas as necessidades, intermediando e compondo os conflitos, exauriu-se após quase 60 anos de vigência.
Erigido sobre a convicção de que cabia ao Estado liderar as relações sociais, tal modelo, ainda que exitoso outrora ao criar uma parcial sociedade de bem-estar, não mais se coaduna com a concepção moderna de sociedade.
Tornou-se imprescindível atribuir aos atores sociais não-estatais, trabalhadores, empresários, organizações não-governamentais, entre outros, funções de relevo na nova estrutura de poder. Superada a fase da mera figuração, essas categorias devem assumir papéis de protagonistas principais. A criação de um novo contrato social, consentâneo com o Brasil moderno, para reconstruir o Estado de Bem-Estar Social, pressupõe a redução da intervenção estatal e a consequente assunção de responsabilidades por parte dos demais segmentos sociais.
Na área específica das relações de trabalho, esse novo modelo ampara-se sobre o instituto da negociação coletiva. Trabalhadores e empresários estabelecendo, de modo autônomo e responsável, as condições do contrato de trabalho. Ao Estado incumbe a garantia de normas básicas relativas à segurança e saúde do trabalhador bem como a fiscalização do cumprimento dos acordos e normas legais, sem prejuízo de seu dever de fomentar o emprego e oferecer qualificação profissional aos trabalhadores.
Deve-se agilizar a solução do conflito individual, inclusive na via judicial, e prestigiar a negociação na superação do conflito coletivo. A proteção contra a demissão imotivada insere-se na nova concepção, onde o emprego é forma de integração social da pessoa.
Nesse sentido, com decisivo propósito de incentivar a via negocial como elemento principal do novo contrato social, o governo Fernando Henrique Cardoso vem promovendo alterações no mundo do trabalho. No campo normativo, os instrumentos legais relativos à participação nos lucros e resultados e a desindexação salarial bem caracterizam esse novo enfoque ao consagrar, em ambos, a negociação coletiva.
Igualmente, o projeto de lei sobre o contrato de trabalho de prazo determinado e sobre a flexibilização da jornada de trabalho tem sua essência na celebração de convenção ou acordo coletivo. Quanto ao processo decisório, cada vez mais se estimula e prestigia o tripartismo.
As experiências bem-sucedidas de composição tripartite paritária em colegiados do Ministério do Trabalho incentivaram o ressurgimento do Conselho Nacional do Trabalho, recém-instalado pelo presidente da República, recriado como órgão principal para a condução das reformas consideradas necessárias nas relações de trabalho, com forte inspiração nos colegiados europeus incumbidos da concertação social.
Quanto à estrutura da organização sindical, cada vez mais se aproxima o momento da consagração do pluralismo como elemento básico da liberdade sindical, essencial no novo modelo de pacto social que se cogita. Procura-se assim fortalecer as relações coletivas e ampliar a autonomia e a liberdade sindicais.
O Brasil, integrado no mundo moderno, não pode se furtar a discutir o novo contrato social, seu conteúdo, suas características, as atribuições de cada segmento. Nas relações de trabalho, urge essa discussão. A data de 1º de Maio é bem apropriada para seu início.

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