São Paulo, quinta-feira, 2 de maio de 1996
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Alerta de um superespeculador

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

A "Veja" desta semana traz entrevista com George Soros, um dos mais bem-sucedidos especuladores financeiros internacionais dos últimos tempos.
Sei perfeitamente que o brasileiro tem interesse limitado por questões internacionais substantivas, apesar de toda a onda e o deslumbramento com a chamada globalização.
Mas a entrevista de Soros trata de problemas que nos dizem respeito de forma muito direta e merece consideração especial.
Soros observa que a economia globalizada tem base muito frágil e repousa sobre a falsa premissa de que os mercados tendem ao equilíbrio.
Para ele, há uma possibilidade real de colapso das finanças internacionais. "Minha experiência", declarou, "me diz que essa possibilidade está nos rondando."
E acrescentou: "as finanças internacionais não obedecem a nenhuma lei. Quando uma atividade está fora do alcance da lei, o que predomina é a força -e o estado de coisas em que a força predomina é chamado de barbárie".
Bem, o Brasil é um dos países que mais teria a sofrer na hipótese de que voltassem a ocorrer graves turbulências financeiras externas. País de estabilidade ainda duvidosa e reputação problemática, seria atingido de forma particularmente intensa por choques que afetassem o refinanciamento dos seus passivos de curto prazo e a entrada de recursos adicionais.
A nossa vulnerabilidade financeira tem aumentado no passado recente, em função da maneira como vêm sendo conduzidas a estabilização monetária e a integração internacional da economia.
Sob a égide de uma falsa "modernização", o Brasil está sendo submetido a um desmantelamento progressivo dos seus mecanismos de atuação e defesa, nos campos comercial, financeiro e intelectual.
Nesse último campo, o processo de erosão toma a forma de uma aceitação passiva e acrítica das modas internacionais, de uma adesão beócia aos supostos "consensos" da economia globalizada, vaca sagrada que poucos conseguem questionar.
O brasileiro da classe média para cima, quando ouve falar em globalização, logo começa a salivar intensamente e acaba babando na gravata. Viramos, assim, candidatos radiantes a vítimas preferenciais da desordem financeira global.
O abundante ingresso de capitais externos, desde meados de 1995, vem anestesiando esse tipo de preocupação. É o de sempre: ninguém quer enfrentar os problemas difíceis e os governos acabam seguindo o caminho aparentemente mais fácil, que é o de perpetuar a dependência em relação a recursos externos.
A economia foi desarmada do ponto de vista da política de comércio exterior e submetida a uma forte sobrevalorização cambial. Nessas circunstâncias, qualquer retomada mais significativa do crescimento econômico resultará em ampliação perigosa do desequilíbrio das contas externas.
O governo alega que as elevadas reservas cambiais, acumuladas a grande custo para as finanças federais, constituem "apólice de seguro" contra turbulências externas. Mas a lógica do argumento é duvidosa.
Tendo sido constituídas, em grande medida, com capitais voláteis ou de curto prazo, as reservas diminuiriam com grande rapidez na hipótese de materialização dos riscos contra os quais elas estão supostamente nos segurando!
Paradoxalmente, um nível elevado de reservas pode acabar sendo contraproducente. E não apenas porque o carregamento das reservas tem alto custo para o governo federal.
Como observou Keynes no "Treatise on Money", a opinião pública está sempre satisfeita com aquilo a que está acostumada, de modo que é uma fonte adicional de fraqueza levá-la a habituar-se a um nível permanentemente elevado de reservas internacionais.
Uma queda abrupta das reservas, provocada por uma fuga de capitais especulativos, reforça a insegurança e pode degenerar em pânico. A "apólice de seguro" acaba se convertendo em "apólice de risco".

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