São Paulo, quinta-feira, 2 de maio de 1996
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Tio Dave vê em Veneza o futuro de São Paulo

DAVID DREW ZINGG
EM FLORENÇA

Veneza, a cidade secular dos gondoleiros caríssimos, nos dá uma idéia de como poderá ser o futuro de São Paulo.
Veneza parece ser capaz de funcionar todos os dias do ano com suas vias públicas repletas daquela coisa líquida à qual os paulistas dão o nome de "chuva". Veneza, como sua contrapartida brasileira, também parece acumular toneladas daquele subproduto grudento da "chuva" ao qual os habitantes dessas duas cidades dão o nome de "lama".
Como escreveu seu corajoso e dedicado repórter investigativo tio Dave na semana passada, está ficando cada vez mais difícil identificar os pontos básicos que distinguem um político italiano de um brasileiro. Eles parecem ser intercambiáveis, tanto em forma quanto em função.
O prefeito atual de São Paulo (é aquele sujeito, Joãozinho, que NÃO USA aqueles óculos de aro grosso que o fazem parecer uma coruja que já perdeu quase todo o cabelo) poderia voar para Veneza e começar a despachar no Palácio do Doge, e nenhum veneziano perceberia a diferença.
Na realidade, o prefeito atual de São Paulo já tem tanta experiência de ser fotografado em ruas inundadas de água que os cidadãos de ambas as cidades provavelmente votariam nele para Gondoleiro Político Paulista (ou Veneziano) do Ano.
Veneza e São Paulo têm uma série de coisas em comum. Veneza, por exemplo, possui uma força policial flutuante, uma espécie de marinha italiana de combate ao crime. São Paulo, que não gosta de ser superada em nada, também tem uma marinha.
Antes que você se apresse a dizer "Tio Dave deve ter tomado alguns daqueles inebriantes coquetéis Bellini no Harry's Bar outra vez", espere um pouco e dê uma olhada na Folha na próxima vez que a "chuva" inundar as ruas próximas ao rio Tietê.
Você verá fotos dos corajosos naviozinhos que compõem a marinha oficial da Companhia de Engenharia de Tráfego de São Paulo.
Não, não estou bêbado e não estou inventando essa história. Sem fazer alarde a respeito, a CET comprou uma pequena frota de barcos a motor para resgatar motoristas ilhados cujos carros se encontram afundados sob alguns metros daquela coisa irritante à qual os paulistas encharcados chamam de "chuva".
Agora que já conheço Veneza, eu, pessoalmente, acho que São Paulo tem muito futuro no ramo turístico. A única coisa que falta é cair mais um pouco daquele negócio conhecido como "chuva".
Quando isso acontecer, e a avenida Paulista passar o ano inteiro debaixo d'água, vamos poder enviar aqueles barquinhos da CET para buscar turistas ilhados na porta do chiquérrimo hotel Maksoud.
Com o Prefeito com Cara de Coruja Careca à frente do sindicato dos gondoleiros, poderemos cobrar dos visitantes US$ 75 por uma hora de 50 minutos no barco, exatamente como fazem em nossa cidade-irmã, Veneza.
É bem possível que São Paulo submersa ainda tenha seu verdadeiro futuro inteirinho pela frente. No ramo dos barcos.
Veneza barata
Preste atenção, Joãozinho: agora você vai me amar por dar esta dica de como economizar dinheiro.
Em primeiro lugar, esteja avisado: Veneza só existe para espoliar cada turista que ousa penetrar nos limites da cidade.
A verdade nua, crua e terrível é que, se você quiser se considerar civilizado, terá obrigatoriamente que visitar Veneza pelo menos uma vez em sua vida.
A outra verdade nua, crua e terrível é que os venezianos sabem disso. E estão a sua espera, prontos para lhe privar de cada centavo de seu magro suprimento de reais. Tudo em Veneza custa pelo menos cinco vezes mais do que o preço aí no Brasil. Tio Dave prevê que no ano que vem os venezianos vão começar a vender máscaras de oxigênio, para que você possa respirar ar fresco (afinal, se a poluição em Veneza é ainda pior do que em São Paulo, então por que não vender ar fresco?).
Mas há um jeito de passar a perna nos venezianos, superando-os em sua própria especialidade.
Um dos grandes hotéis deste mundo, o Cipriani, fica logo do outro lado do Grande Canal em relação ao lugar onde você, humilde turista, costuma ficar confinado.
O Cipriani é onde pessoas que são muito diferentes de você e de mim vão para gastar seu (nosso) dinheiro, longe de nós, comuns mortais. O Cipriani tem uma piscina do tamanho do Oceano Atlântico. Senhoras ricas nadam na piscina do Cipriani usando colares de pérolas.
Você quer ver o Cipriani de perto mas não está disposto a pagar o preço de um carro pequeno brasileiro para passar uma noite num quarto pequeno no hotel?
Então aqui vai minha dica da única coisa que dá pra se fazer em Veneza sem pagar:
Perto da Piazza San Marco existe um cais particular do Cipriani Hotel. Vista-se como milionário e vá até o cais. Aperte o botão que você verá ali. Espere alguns minutinhos. Uma lancha belíssima aparecerá, vinda do outro lado do Grande Canal. Ela terá os dizeres "Cipriani Hotel" escritos do lado.
O impecável capitão/chofer do barco o ajudará a subir.
Você será levado a jato, estilo veneziano, até as nobres instalações do hotel. E não pagará nada. Você viverá uma aventura memorável. Sonhará que seu sobrenome virou Rockefeller.
Você vai querer agradecer ao tio Dave.
Não há de quê.

Tradução de Clara Allain

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