São Paulo, sexta-feira, 3 de maio de 1996
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Mais mudanças à frente

CELSO PINTO

São cada vez mais claras as indicações que a recente mexida no ministério é encarada pelo presidente como um arranjo temporário. A feição dos últimos dois anos de governo seria dada por outra mudança ministerial, mais substantiva, depois das eleições municipais.
A intenção seria dar uma arrancada nas reformas constitucionais e suas regulamentações neste ano, usando o maior leque possível de aliados. A partir do próximo ano, livre da "ditadura dos três quintos" de votos necessários no Congresso para aprovar reformas constitucionais, o presidente imprimiria sua marca para chegar com fôlego ao ano da (re)eleição presidencial.
A estratégia faz sentido. Só falta, como lembraria Garrincha, combinar com os russos. O elo frágil desta história é a reeleição. Enquanto o presidente continuar disposto a brigar por ela, não só será difícil livrar-se da ditadura dos três quintos, como ele terá de fazer, possivelmente, concessões ainda maiores. Uma alternativa, teoricamente, seria um plebiscito popular, ainda este ano, sobre a reeleição. Mesmo com uma vitória no plebiscito, contudo, o presidente dificilmente teria a garantia de que ela seria aplicada já no seu caso, algo que dependeria de uma votação posterior do Congresso.
A mesma razão pela qual o presidente quer livrar-se da ditadura dos três quintos faz com que seus principais aliados no Congresso queiram o oposto. Enquanto o presidente depender de um apoio amplo, terá de fazer concessões. E concessões, nesse caso, significam, via de regra, medidas que aumentam a conta fiscal.
A reforma ministerial recente foi uma resposta à deterioração na imagem interna e externa do governo. Desde a derrota da primeira versão da reforma da Previdência e das enormes concessões de conteúdo para a aprovação da segunda versão dessa reforma, passou-se a questionar a consistência da base política do governo e das próprias reformas.
A miragem de que as reformas estruturais seriam o resgate fiscal futuro do país conseguiu sustentar, por bom tempo, a boa vontade dos investidores externos. A forte deterioração da situação fiscal no ano passado, contudo, foi um sinal de alerta. Os problemas com a Previdência, outro sinal negativo.
Não é nada dramático, a curto prazo. Ao contrário, os números de ingresso de dólares em abril indicam uma nova retomada, apesar das restrições criadas pelo BC em março.
Abril fechou com um ingresso líquido de US$ 1,494 bilhão nos câmbios comercial e financeiro. Quase o dobro do ingresso de março, de US$ 825 milhões, embora inferior aos números de janeiro (US$ 3,2 bilhões) e fevereiro (US$ 2,2 bilhões). O que mais impressiona em abril é o comportamento do câmbio financeiro (onde entram captações externas, investimentos em bolsa, etc.). O saldo havia sido negativo em US$ 414 milhões em março. Em abril, foi positivo em US$ 300 milhões, apesar de a saída de dólares por esse canal ter sido fortemente influenciada por um pagamento de US$ 1,2 bilhão de dívida externa pelo governo.
O problema, do ponto de vista dos investidores externos, não é o mês que vem, mas o médio prazo. Se a reforma ministerial ajudar a aprovar pelo menos as reformas administrativa e previdenciária (complementada pela MP do salário-mínimo) e regulamentar algumas reformas aprovadas no ano passado, o governo poderá refazer seu estoque abalado de credibilidade.
Cuidar da credibilidade externa é vital, para um modelo de estabilização que depende do câmbio para segurar os preços e do investimento internacional para financiar um crescimento um pouco menos medíocre do que o deste ano.
Já a imagem interna depende de o governo reverter a percepção crescente de que falta imaginação nos seus objetivos (além de manter os preços baixos) e eficiência na sua execução. É nessa direção que poderia ajudar uma reforma ministerial no final do ano.

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