São Paulo, terça-feira, 7 de maio de 1996
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Dívida social deve ser paga, afirma FHC

Aí é o programa que está contido no Comunidade Solidária. O Comunidade Solidária não é o conjunto do governo. Não tem nada a ver com educação, com saúde em geral, com habitação, com saneamento, nada, nada a ver. Tem a ver com aperfeiçoamento, melhoria do desempenho dos programas do governo nas áreas onde especificamente há concentração de pobreza e de miséria.
E para isso nós temos a Secretaria Executiva do Programa Comunidade Solidária e temo o conselho, que estão fora do governo, para que façam a crítica e façam o enlace com a sociedade em parceria, visando a essas populações, as mais carentes.
Muito bem. Tem uma tabela aí que pode mostrar o que está sendo feito nesse programa do Comunidade Solidária. Vocês vão ver também que nesse caso nós temos as metas para este ano: merenda escolar, distribuição diária de 3,4 milhões de refeições para as crianças. Vejam bem, nós distribuímos 34 milhões de refeições no programa do Ministério da Educação.
No Comunidade Solidária, esses 3,4 milhões são a mais: é para dobrar a merenda e o número de dias que as pessoas recebem merenda nas comunidades mais carentes para poder ter como resultado a queda da mortalidade infantil, a melhoria da nutrição etc. etc.
É um a mais. É além dos universais. Aí sim, é compensatório. Tudo é resgada da dívida. Mas aí, digamos, é aquele que já estava condenado e que não pode ser condenado. Tem que receber um tratamento especial de recuperação.
Temos o Prodea, que distribui 700 mil toneladas de alimentos, tem o kit educação, o transporte escolar, o combate à desnutrição com distribuição alimentar para suplementação de 1,4 milhão de crianças, agente comunitário de saúde em certas áreas, vacinação, água potável... Bom, aqui nós mudamos os critérios.
Quantos eram os municípios? 302. Agora são mil municípios. Quando era 302 não faltou quem fosse buscar o fio político para voltar a dizer que tem clientelismo. Agora são mil. E em mil, os partidos que me apóiam devem ter ganho em 995. Claro que, se forem ver, "Ah, mas estão com o partido do governo". Todos ganhamos em tudo. O que fazer? Discriminar?
Não importa o partido. Nunca importou. O prefeito, de que partido era, nunca importou. Não é a análise correta, induz ao erro a quem ler, dizer que houve, ali, protecionismo, porque, evidentemente, a maiorira dos prefeitos pertence a esses partidos que formam a coligação. Então, a maioria dos municípios também.
Mas não é por isso que eles são selecionados. É por critérios técnicos. Foi o IBGE que fez a seleção.
Então, os mil mais pobres. Está errado? Se estiver errado, é erro técnico. E pode haver. Pode ser que as estatísticas não sejam boas, mas não é má-fé, nem deles. Foi defeito, foi impossibilidade, foi falta de recursos, foi uma porção de coisas. Mas os mil mais pobres vão ser atendidos, e não só os 302. Então, nós vamos multiplicar por três ou mais a área que vai ser localizada por esses programas, e os efeitos far-se-ão sentir no decorrer do tempo. Esse tempo não pode ser medido nem em semanas nem em meses. Às vezes, são anos. Não tem importância. Nós não estamos aqui como o camelô, para vender a salvação dos mais pobres.
Nós estamos como gente convicta, comprometida com a mudança do Brasil e que, portanto, não se rende a argumentos baratos nem fica assustado com qualquer gritaria, dizendo que houve isso ou aquilo, desde que os números e desde que a direção seja contínua para provocar as mudanças que estamos provocando.
Pois bem, aí tem também uma tabela que pode mostrar, mais adiante, quais são as regiões mais atendidas. É óbvio que a região Sudeste, proporcionalmente, tem um maior número de municípios, e os municípios do Comunidade Solidária vão estar mais na região Nordeste, proporcionalmente. Podem ver: na proporção, a região Norte, a região Nordeste e a região Sudeste... E a regoãp Sul e Sudeste são as que têm menos atendimento, porque são as que têm menos municípios em situação de carência. É por essa razão que isso aparece assim.
Bom, além disso, eu creio que... Já devo tê-los cansado bastante com a ênfase que dei para mostrar o quadro geral, porque, se nós não temos um quadro geral, nós nunca chegaremos a realmente nos entender, qual é o objetivo, quais são as questões. Mas eu queria dizer o seguinte: nós vamos nos empenhar, a fundo -esse nós, eu espero que sejamos nós mesmo, e não apenas um setor da sociedade brasileira, ou só o presidente, ou só o governo. O presidente não tem nenhuma dúvida quanto ao seu interesse, pessoal e direto, nessas matérias, nenhuma dúvida. Só que ele tem essa concepção que aqui está. Não tem outra. E foi eleito com essa. Ou seja, que eu não vejo separadamente as coisas. Então, eu tenho que atacar, simultaneamente, os programas universais, o crescimento econômico, a modernização do Estado, as reformas administrativas e os bolsões de miséria, porque, se não for assim, eu não vou resolver. Eu vou dar ilusão. Pode ser até que eu faça bonito: acabei com um problema, num lugar. Vai e publica onde seja. Batem palmas. Não é o meu jeito. Não é nosso jeito. Isso é jeito do passado. Também não é nosso jeito brilhar a custa da pobreza. Não é nosso jeito.
Nosso jeito é trabalhar com seriedade, com persistência, com muito afinco, com muita vontade de mudar, mas somando forças, convergindo, pedindo mais e com humildade. Se, de vez em quando, eu tomo um tom, assim, mais agressivo, é por indignação, às vezes, é por vontade de que as coisas vão mais depressa. Mais eu sei que a gente tem que ouvir, tem que aprende, tem que, realmente, entender que a crítica, mesmo quando ela, às vezes, está mal baseada, ela também tem o mesmo propósito nosso, que é o de melhorar. E nós temos que aceitar isso, temos que nos entender dessa maneira.
Mas eu acho que nós temos que ter uma visão de futuro, e, para ter essa visão de futuro, que nós já temos na economia, nós temos que pensar que, no social, com todo esse empenho que nós estamos tendo -e vamos ter mais-, nós temos que pensar na geração futura, nas crianças. Tem que ter um foco nisso. Nós temos que fazer, realmente, um grande esforço, porque aí dá para você, realmente, numa série de programas e de projetos, dá para realmente imaginar que, daqui a 20 anos, e quem não imaginar para daqui a 20 anos está atrasado, quem não
tiver horizonte, não faz nada, uma ação pequenininha, que pode fazer estridência hoje, mas se perde no tempo. Nós precisamos, realmente, ter uma nova geração diferente.
É, ao pensar na criança, no trabalho escravo, na violência contra a criança, na exploração sexual, isso eu acho que nós devíamos dar uma atenção toda especial. Aí sim, toda especial, com muito empenho. E acredito que aí nós tínhamos que fazer uma parceria muito grande, pedir mais, porque essa é a verdadeira âncora social, se eu posso usar essa palavra.
A nossa âncora -tem a cambia, tem a âncora monetária, os economistas são... fora os marinheiros, que têm muitas âncoras-, nós precisamos de uma âncora social. Quer dizer, no que nós vamos assentar a nossa sociedade? É em tudo isso que é social, mas que é o futuro. Então nós temos que preparar esse futuro já. E aí eu acho que o foco tem que ser muito a questão da criança.

E para isso nós temos que, realmente, mobilizar mais. E a mobilização não se faz com o pé atrás. Não se faz. Ou nós temos, realmente, uma espécie de crédito de confiança recíproco, ou de todas as direções, de boa fé e vontade, mesmo, de unir, para resolver a questão e olhar a criança como sendo um foco, mas com muita ênfase nessas questões toda e em parceria com a sociedade, fazendo com que as pessoas se toquem mais.
Algumas empresas no Comunidade Solidária já se tocaram. Poucas ainda, pouquíssimas. O crescimento econômico é muito forte, os lucros vão ser muito altos, os investimento está vindo. Nós estamos preparando um Brasil que vai ser um Brasil próspero. Não vai, se não houver um esforço grande para enfrentar a questão social.
O governo está mostrando o que está ponde de recursos do que tem, do pouco que tem, porque a verdade é essa. Então nós precisamos de mais apoio do setor privado, das organizações sociais em geral, para que nós possamos, efetivamente, marchar nessa direção porque o desafio é muito grande.
Nós pedimos -e o ministro Paulo Renato veio do BID agora- nós pedimos ao BID US$ 150 milhões, que vamos ter, que é precisamente para as ONGs, para que nós possamos fazer com que essas ONGs, nesse plano, na questão da criança, na questão do trabalho escravo, na questão dessas vergonhas, dessas nódoas do Brasil, que elas tenham o foco. E que elas possam ver que o treinamento de formação profissional, treinamento do jovem, da juventude, universidade solidária, fazer com que o pessoal mais jovem se jogue, como se jogaram na universidade solidária, para olhar a situação da população, porque é muito fácil escrever um comentário em um jornal ou um decreto meu, aqui. O problema é ir lá ver, um pouco, olhar um pouquinho que seja, para ver qual é a situação e para ver que dá para mudar.
Então eu acho que está na hora, com esses recursos que eu acho que virão, pedir mais ONGs para que se joguem, mas se joguem com eixo, somando forças, fazendo com que realmente os efeitos sejam multiplicadores e que nós possamos ter uma crítica baseada na realidade, porque é difícil ter um acesso e ter uma noção. Qual é o efeito do programa? Não adianta fazer programa e não medir o efeito. Tem que medir o efeito. E nós não temos no Brasil, no governo, instrumentos para isso.
Se tivermos recursos do BID, se alguns grupos de ONGs pudessem realmente se -já fazem- aumentarem a sua capacidade de medir efeito, de propor situações novas, maior criatividade, nós vamos avançar.
Eu acho que é um tremendo desafio esse que nós estamos fazendo com o Brasil, nossa sociedade, no seu conjunto. É um desafio enorme. Nós já temos sinais muito claros, muito convincentes de que é possível -nós não conseguimos ainda, não tenhamos ilusões quanto a isso- a estabilização da economia em termos da moeda, mas estamos a caminho disso. Estamos a caminho da reforma, com os vai-e-vens normais de uma democracia. E eu insisto muito que é importante que seja numa democracia.
Estamos avançando. Vamos avançar mais. Agora está na hora de nós realmente fazermos um empenho imenso no social.
E eu não queria, hoje, aqui, como não fiz, trazer um plano. A idéia é um pouco antiga. Plano é quando você tinha um governo central, poderoso, que tinha tecnocrata, que decidia, que fazia. Não é mais assim. Agora é muito mais do que um plano. É uma motivação. Você pode ter objetivos, metas, rumos. Você pode ter um caminho, você pode fazer ligações. Mas quem imagina que com um plano resolve as coisas, meu Deus, está velho, tem décadas. E quem fala aqui foi planejador, como muitos de nós aqui, na Cepal, no Ilpes.
Quantos planos? Eu fiz plano para o Uruguai, fiz plano para o Peru. Quantos planos? Nenhum deles foi implementado de verdade. Plano, hoje, é outra coisa. É convicção, motivação, até mesmo, confusão, até mesmo uma certa tensão, desde que ela seja criadora e desde que ela aponte em um certo rumo. Eu acho que é nisso que nós temos que ter convicção. E o Brasil tem rumo.
Eu, realmente, faço um apelo aqui, a toda a sociedade e em especial aos que estão aqui: Eu preciso de vocês. Não sou eu não. O Brasil precisa de nós. Esse nós tem que ser muito abrangente para esses fins, tem que ser muito abrangente.
Com isso nós vamos superar os desafios e vamos construir uma nação decente, uma nação onde realmente nós não reproduzamos as desigualdades. Mas sem isso ela pode crescer na economia, ela pode ter até um governo que vá bem, em pesquisa e nas urnas, mas ela não vai ser capaz de fazer o que realmente é preciso fazer, que é uma nação onde se universalizem os direitos e onde o atendimento às pessoas sejam realmente universal, onde nós possamos, um dia, não nos preocuparmos mais com bolsões de miséria, porque eles terão acabado.
Muito obrigado.

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