São Paulo, terça-feira, 7 de maio de 1996
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O velho Lobo do fut é bem mais uma raposa

MATINAS SUZUKI JR.
EDITOR-EXECUTIVO

Meus amigos, meus inimigos, o velho Lobo do fut Zagallo, provedor de astúcias, é Lobo no nome e raposa nas atitudes.
Ele declarou, logo após o sorteio, que a seleção de futebol olímpica brasileira está na chave mais difícil dos jogos de Atlanta. Duvideodó.
O velho Lobo do fut Zagallo está aumentando o valor do adversário, técnica bem conhecida dos técnicos ardilosos.
Mas, na teoria -a bola desmente toda teoria-, a chave do Brasil não é a mais difícil.
Veja o caso da Argentina, uma das favoritas deste torneio olímpico.
Ela faz sua estréia contra os EUA, que, como se viu na Copa, jogando em casa, não será um hambúrguer fácil de digerir.
Jogando em casa, nos últimos anos, a seleção da América tem sido uma terra de bravos.
Logo depois, os argentinos jogam contra a parada duríssima que deve ser a seleção de Portugal, que já criou uma tradição nos torneios internacionais para as faixas etárias mais jovens.
A Argentina é uma das fortes candidatas a ficar com uma das duas vagas neste Grupo A, mas a sua vida não será fácil.
A Itália ficou em chave similar à brasileira. Enfrenta um adversário do Oriente (a Coréia do Sul, possivelmente mais forte que a seleção japonesa, por ter mais tradição) e uma seleção africana.
Em torneios de faixa etária mais jovem, os africanos são fogo. Mas Gana deve ter mais chances do que a Nigéria.
A Espanha também promete ser uma força no Grupo B. Tem uma boa safra de novos toureiros da bola.
Mas, caiu na mesma chave da França. Qualquer desvio de rota poderá ser fatal (classificada, por exemplo, jogará contra a Argentina ou Portugal. É mole?).
Como se vê, a coisa não é de todo ruim para o Brasil.
Aliás, desconfio, poucas vezes o Brasil chegou a uma Olimpíada com tantas perspectivas. Mas o velho Lobo, que não tem nada de bobo, jamais admitirá esta hipótese.
*
A foto de Moacyr Lopes que retrata o Marcelinho olhando para a bola antes de cobrar a falta fatal contra o gol de Velloso, publicada ontem na capa do caderno de Esporte da Folha, flagra um desses instantes sagrados do futebol.
Mix de concentração, de reverência religiosa, de confissão íntima, de pacto secreto, de rito sagrado, de código íntimo entre a magia e o mago, entre o feitiço e o feiticeiro, entre sujeito e objeto.
É errado dizer que Marcelinho "chuta" a bola. Chutar tem duas conotações, ambas erradas para o seu caso.
Em primeiro lugar, chutar conota alguma violência, e não há nada mais suave do que o toque que ele dá na bola, impulsionando nela uma velocidade e uma trajetória impressionantes.
Em segundo lugar, chutar significa arriscar sem conhecimento, palpite a esmo, e não há nada mais certeiro do que um chute de Marcelinho.
Se alguém até hoje conseguiu conversar com a bola, este alguém é o Marcelinho.

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