São Paulo, terça-feira, 7 de maio de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Highsmith decepciona em último livro

MAURICIO STYCER
DA REPORTAGEM LOCAL

A escritora Patricia Highsmith (1921-1995) reservou uma grande -e desagradável- surpresa a seus leitores: "Small g", o seu último romance, publicado após a sua morte, em fevereiro de 95, não se parece em nada com sua obra.
Embora não se considerasse autora de romances policiais, o crime, nos seus livros, sempre serviu à construção dos personagens e ao desenvolvimento da narrativa.
Tanto nas histórias protagonizadas pelo anti-herói Ripley (de "O Amigo Americano" a "Ripley Debaixo D'Água"), quanto em inúmeros outros romances, Highsmith utilizava o crime como forma de discutir os limites morais do homem de classe média e expor o seu cotidiano medíocre.
A força de sua obra derivava, em parte, da falta de piedade com que tratava -exceção feita a Ripley- todos os seus personagens, fossem eles "bons" ou "maus", generosos ou egoístas.
Em "Small g", Highsmith está irreconhecível. O título faz referência ao código (um "g" minúsculo) usado em alguns guias de turismo de Zurique para indicar os bares e restaurantes da cidade simpáticos ao público gay.
O personagem principal da história é o artista gráfico Rickie Markwalder, cujo namorado, Peter Ritter, morre assassinado, durante um assalto, logo no primeiro capítulo do livro.
Vida tediosa
Esse crime, inexplicavelmente, não tem importância alguma no romance. Rickie só fará referências a ele, de tempos em tempos, para dizer que sente saudades de Peter.
O eixo do romance é a vida agitada de Rickie. Ora está bebendo com seus amigos no bar e restaurante Jakob, apelidado por eles de Small g, ora está levando seu cãozinho, Lulu, para passear, ora está criando algum logotipo para uma empresa de higiene. Um tédio.
Para piorar, Rickie pensa que é portador do vírus HIV. Até que, a certa altura da história, Highsmith informa que tudo não passara de uma brincadeira do médico do personagem, que enganou seu paciente com o objetivo de forçá-lo a praticar sexo seguro. É uma das passagens mais constrangedoras.
Rickie, primeiramente, e depois Dorrie, sua amiga lésbica, vão dedicar muito de seu tempo tentando cuidar de Luisa, uma jovem interiorana, que fugiu para Zurique após sofrer inúmeras tentativas de abuso sexual por parte do padrasto e acabou sendo ajudada por uma mulher que a trata como escrava.
Libertar Luisa das mãos de Renata, essa mulher má, se torna, a partir da metade do livro, o único assunto. No meio disso, surge Teddie, um garotão saído da adolescência, por quem Rickie se apaixona, mas que se apaixona por Luisa.
O livro se torna um romance ginasiano sobre a iniciação de Luisa. Cantada tanto por Teddie quanto por Dorrie, Luisa acabará ficando com os dois, nessa despedida melancólica de Patricia Highsmith.
Carol
Nascida nos EUA, a escritora passou a maior parte da vida na Europa, entre a França e a Suíça.
Muito discreta sobre a sua vida pessoal, Highsmith construiu a imagem de uma ermitã, que vivia isolada, cercada apenas por gatos, quase sem contato com os seres humanos -a mídia em particular.
Curiosamente, "Small g", o último romance, lembra "Carol", o segundo livro de Highsmith.
A escritora só havia publicado "Strangers on a Train", quando lançou, em 1952, sob o pseudônimo de Claire Morgan, "O Preço do Sal", um romance açucarado sobre o amor entre duas mulheres.
O medo de ser rotulada como escritora lésbica levou Highsmith a se esconder atrás do pseudônimo até 1989, quando finalmente decidiu relançar o livro, então com novo título, "Carol", e seu nome na capa. No Brasil, "Carol" foi lançado em 1995, pela Siciliano.
Num posfácio à edição de 1989, Highsmith revela francamente que a inspiração para o romance ocorreu num episódio vivido por ela em Nova York -e mais não diz.
Diferentemente do que ocorre em todos os seus principais romances, tanto em "Carol" quanto em "Small g", Patricia Highsmith se mostra indulgente com seus personagens, manifestando mais carinho do que pena deles, e abandonando o espírito crítico que é a marca registrada de sua obra.

Livro: "Small g"
Preço: R$ 33,50; 376 págs

Texto Anterior: Crítico destaca brasileiros e cubanos
Próximo Texto: Cannes prepara seu cinquentenário
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.