São Paulo, quarta-feira, 8 de maio de 1996
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Além do que aparece

JANIO DE FREITAS

A sucessão de iniciativas no gênero relações públicas, a que Fernando Henrique Cardoso se dedica desde a semana passada, é típica de governante e governo na defensiva, pela percepção repentina de que alguns controles essenciais lhes escaparam.
Entre a percepção e a solução imaginada pelo presidente e seus propagandistas há, porém, uma divergência que só acentua o problema percebido.
O próprio Fernando Henrique fala em desgaste da imagem do governo; tem havido muitas referências, no governo e nos meios de comunicação, a um tal "clima de pessimismo na sociedade"; mesmo sem menções assim, a quantidade de restrições ao governo e a Fernando Henrique, nos jornais e revistas noticiosas, tem crescido muito. Isso é o que está na superfície e foi o que governo percebeu. Ou, no caso pessoal de Fernando Henrique, conseguiu admitir.
O que se passa é diferente. Nenhum governante e nenhum governo sofre desgaste de imagem, nem se instalaria o "pessimismo na sociedade", sem causas por trás disso. Desgaste e pessimismo são, sempre, consequências. E, em relação ao governo atual, não são consequências do massacre de lavradores, nem do castigo aos dependentes de salário mínimo. As referências ao desgaste do governo são anteriores àqueles fatos.
As opiniões recolhidas no empresariado representativo, notoriamente fernandista; em políticos capazes, mesmo que governistas, de isenção analítica (observo logo que são poucos); em intelectuais idem (são raríssimos) e na classe média mais atenta e informada, são opiniões que convergem para as mesmas conclusões. Como convergiram para o mesmo candidato à Presidência e, depois, para as pesquisas de opinião pública favoráveis ao presidente. Apenas continuam convergentes, portanto.
Se em vez das pesquisas que encomenda, em empresas que querem continuar sendo contratadas e muito bem pagas, a Presidência recolhesse por aí a opinião sincera em suas próprias forças na sociedade, dela poderia fazer uma síntese assim:
- A principal característica do governo, como todo, é o imobilismo. Dos tantos problemas que dependem só de ação organizadora, de planejamento modernizador, de trabalho ministerial, continuam todos como foram recebidos pelo atual governo. A impressão, incontestável, é de que todos, ou quase todos, não trabalham.
- As reformas propostas pelo governo nada reformarão de fato, não podendo resultar nas inovações prometidas pelo candidato. E exatamente aquelas apresentadas então e há muito consideradas como fundamentais, as reformas tributária e fiscal, ficaram para o futuro desconhecido (estas reformas são de citação infalível no grande empresariado). Sobre as outras, os demais setores percebem muito bem que não trarão qualquer benefício para a sociedade.
- O perfil de Fernando Henrique é o de um presidente que não governa. Não administra: não define tarefas, não cobra desempenhos, não tem sequer um programa de ação. Toda a sua atividade está voltada só para o máximo de presença nos meios de comunicação, falando muito para dizer coisas que não se transformam em realidades do governo ou do país.
As iniciativas de Fernando Henrique para reverter o desgaste percebido, com reuniões imensas e sucessivas, discursos sucessivos e imensos, só confirmam e fortalecem as causas do desgaste. O imobilismo, as reformas inconvincentes e a discursaria sem fundos continuam intocados e produzindo seus efeitos lógicos.
Se Fernando Henrique está certo na identificação de "um clima de pessimismo" na sociedade, só pode deduzir que não há outra causa possível de pessimismo senão a de decepção com o presidente de tantas promessas.

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