São Paulo, quarta-feira, 8 de maio de 1996
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Salário mínimo e distribuição de renda

PAULO PAIVA

Em editorial do dia 1º de maio, esta Folha argumenta que o aumento nominal de 42,9% concedido ao salário mínimo no ano passado conduziu, segundo o Dieese, a uma redução da desigualdade de renda. O editorial sugere que a política do salário mínimo é um eficaz instrumento redistributivo.
Inicialmente, quero destacar que a preocupação deste jornal com o tema é meritória.
Todavia, ressalto que atribuir a atenuação da desigualdade de renda exclusivamente ao reajuste real do salário mínimo (18%), concedido em 1º de maio do ano passado, constitui um equívoco de interpretação.
No curto prazo, o fator mais importante para a redução da desigualdade foi o programa de estabilização, que eliminou o imposto inflacionário e redistribuiu renda.
De fato, pesquisadores do Ipea constataram, com base nos dados da PME, que a fração de renda apropriada pelos 50% mais pobres da população recebendo rendimentos aumentou 1,2 ponto percentual (+ R$ 7,3 bilhões), enquanto a parcela dos 20% mais ricos reduziu sua participação em 2,3 pontos (- R$ 12 bilhões).
Isso indica que, no conjunto da força de trabalho, os rendimentos mais baixos cresceram mais do que os rendimentos mais altos, reduzindo-se, dessa forma, a desigualdade.
Assim, de julho de 1994 a dezembro de 1995, o segmento dos empregados com carteira, de rendimentos mais altos, teve um ganho real de salário de 29,4%.
Já para os empregados por conta própria e para os assalariados sem carteira, o crescimento dos rendimentos reais foi, respectivamente e para o mesmo período, de 52,2% e de 36%. O rendimento médio desses grupos situa-se acima do salário mínimo.
Isso não significa que a política de salário mínimo tenha um impacto redistributivo nulo. Argumento que o efeito é limitado, embora positivo.
É de esperar que o impacto redistributivo do salário mínimo seja tanto maior quanto mais próximos dos estratos de renda mais baixos estiverem os favorecidos pela elevação do salário mínimo.
De fato, a distribuição dos trabalhadores que ganham o salário mínimo, classificados conforme a renda familiar "per capita", segundo estudos do Ipea, evidencia que, até o grupo dos 40% mais pobres, a proporção dos trabalhadores chefes de família que ganham o mínimo é maior do que a dos trabalhadores secundários.
Entretanto, essa relação se inverte a partir do grupo dos 50% mais pobres. Portanto, os chefes de família que recebem um salário mínimo estão majoritariamente representados apenas entre as famílias que constituem os 40% mais pobres do perfil distributivo.
Ou seja, a maior parte dos trabalhadores que recebem um salário mínimo encontra-se em famílias que se localizam nos estratos intermediários e superiores da distribuição de renda.
Esses trabalhadores são filhos e filhas jovens, cônjuges e agregados em famílias cujo chefe ganha acima do mínimo.
É óbvio que os principais determinantes da desigualdade de renda são de natureza estrutural. Isso exige políticas redistributivas mais profundas, que demandam tempo para produzir melhorias significativas na desigualdade de renda.
Essas políticas estão vinculadas ao investimento na educação, especialmente na educação básica, na formação profissional, na redução da informalidade, no combate à discriminação de qualquer natureza (gênero, raça etc.), no mercado de trabalho e na reforma agrária. O governo está compromissado com essas políticas.
No curto prazo, entretanto, os efeitos positivos obtidos no perfil redistributivo deveram-se, essencialmente, ao sucesso do Plano Real e não ao reajuste real do salário mínimo que foi concedido no ano passado.

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