São Paulo, quarta-feira, 8 de maio de 1996
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Cannes aponta suas lentes para o contemporâneo

AMIR LABAKI
ENVIADO ESPECIAL A CANNES

A comédia de época "Ridicule" (Ridículo), do francês Patrice Leconte, abre amanhã o 49º Festival Internacional de Cinema de Cannes. A seleção oficial promete até o dia 20 um evento de arromba, sob medida para o início das comemorações de meio século de existência do evento, que serão completados em setembro próximo mas só serão celebrados mesmo na edição de 1997.
O programa principal é composto de 27 títulos, 22 dos quais concorrentes à Palma de Ouro. Foram selecionados dentre 428 filmes inscritos, dos quais nada menos que 189 americanos. Catorze cinematografias estão representadas, contra quinze do ano passado.
O eurocentrismo é flagrante: dezessete dos 27 são europeus. Há apenas um representante latino-americano: o chileno Raúl Ruiz, com "Tres Vidas e Una Sola Muerte" (Três Vidas e Uma Só Morte). O Brasil está mais uma vez fora das seleções do festival.
Ainda que desequilibrado, Cannes-96 oferece não apenas a mais importante radiografia do estado das coisas no cinema, mas também uma privilegiada visão de conjunto do mundo contemporâneo. Apenas três filmes da seleção principal afastam a câmera do presente em direção ao passado.
"Ridicule" é uma sátira da corte francesa durante o reinado de Luis 16. Robert Altman, um dos três vitoriosos em Cannes de volta à competição (os outros são Chen Kaige e os irmãos Coen), revisita o universo de sua infância em "Kansas City", uma sátira político-policial estrelada por Harry Belafonte e Jennifer Jason Leigh.
Já "Temptress Moon" (Lua Tentadora) reúne em Cannes três pesos-pesados da recente vaga chinesa: Chen Kaige , vencedor há três anos com "Adeus Minha Concubina", seu astro Leslie Cheung e a insuperável Gong Li ("Lanternas Vermelhas"). Dessa vez, Kaige optou por um melodrama que se passa na Xangai dos anos 30.
Mais do que nunca é arriscado falar em favoritismo. Mas, se tradição contar, Bernardo Bertolucci e Stephen Frears partem alguns corpos à frente dos demais (excluído Altman, já premiado).
Depois de quinze anos de "trilogia oriental" ("O Último Imperador", "O Céu Que Nos Protege" e "O Pequeno Budha"), Bertolucci volta às narrativas intimistas e a sua Itália natal em "Stealing Beauty" (Beleza Roubada). Para estrelar seu pequeno conto sobre o impacto da chegada de uma jovem americana a uma pequena vila da Toscana, o diretor mobilizou um elenco heterodoxo que vai da promessa de estrela Liv Tyler ao veterano Jean Marais.
Passando ao largo de prêmios e etiquetas, Stephen Frears tem construído das mais sólidas reputações do cinema contemporâneo. Sua trajetória pendular entre Londres e Hollywood volta ao ponto de partida com "The Van" (A Van), em que retorna também ao universo satírico-provinciano dos escritos de Roddy Doyle. O centro de gravidade é aqui uma lanchonete ambulante tocada por um casal e um amigo irlandeses.
O contraponto geracional está em dois jovens talentos europeus. Em apenas três longas-metragens, o dinamarquês Lars von Trier forjou um estilo único, sombrio e onírico. Por duas vezes ("O Elemento do Crime", "Europa") Cannes lhe concedeu prêmios secundários; talvez tenha chegado sua hora com "Breaking The Waves" (Quebrando as Ondas).
Célebre como curta-metragista, o belga Jaco van Dormael arrebatou a Câmera de Ouro de 1991 com sua estréia em "Um Homem de Duas Vidas" (Toto Le Héros). Dormael revelava maturidade, sobretudo pelo caráter imagético de sua dicção fílmica. Total segredo repousa em torno de seu segundo filme, "Le Huitime Jour" (O Oitavo Dia). Talvez, mais uma vez, o silêncio seja de ouro.

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