São Paulo, quarta-feira, 8 de maio de 1996
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De mal a melhor

GILBERTO DIMENSTEIN

Ao morrer em março passado, David Packard, um dos gigantes da indústria eletrônica mundial, deixou uma bolada de US$ 7 bilhões para, entre outras coisas, educar melhor os americanos. Este valor é cerca de três vezes a Votorantim, maior grupo privado brasileiro.
O dinheiro de Packard (aquele das impressoras) vitamina o patrimônio de US$ 120 bilhões das 14 maiores fundações privadas americanas. Criadas por empresários para reduzir a exclusão social (e fugir do imposto de renda), a atuação dessas fundações demonstra como o Brasil está metido numa discussão capenga.
FHC está apanhando -e com razão, diga-se- pelo baixo desempenho social de sua administração.
Há distância oceânica entre suas conquistas econômicas (que são boas) e as sociais. A distância se deve, em parte, à ausência de empenho pessoal. Se quisesse, projetos viáveis e baratos contra a mortalidade infantil e de planejamento familiar, por exemplo, estariam muito mais avançados.
A discussão fica capenga quando o presidente vira personagem central da crise social. Esta é uma responsabilidade que deve ser dividida -inclusive entre nós, jornalistas.
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Numa sociedade individualista como a americana, obras de filantropia receberam de empresas e indivíduos US$ 129 bilhões no ano passado.
Com US$ 129 bilhões, 14 milhões de famílias brasileiras ganhariam, por mês, US$ 750. Sumiria qualquer vestígio de miséria no Brasil.
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O problema da elite brasileira é ser arrogante pela metade. Ela vê os pobres com superioridade, estudou nas melhores escolas, vê homens públicos rastejar por seu dinheiro nas campanhas eleitorais. Aí, se iguala aos barões americanos.
Mas, como é arrogante pela metade, não desenvolveu a vaidade de se sentir responsável também pelos mais frágeis, de tentar aliviar o sofrimento dos "inferiores sociais".
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Refletindo a ignorância, os sindicalistas, cujos filhos estudam em escolas públicas, nunca cobraram maior eficiência na área social.
Uma exceção: sindicato dos bancários de São Paulo, que, com a ajuda do Banco de Boston e do Projeto Axé, de Salvador, tenta educar meninos de rua.
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A mídia não desenvolveu mecanismos para acompanhar o uso de verbas ou mesmo a evolução da crise social -assim como faz com a expansão da moeda, déficit das contas do governo, inflação e balança comercial.
Sem informação não há cobrança -e sem cobrança nada melhora.
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Não estou pessimista; ao contrário. Só o fato de o país discutir mais as mazelas sociais e exigir mais dos governantes já é um avanço. Massacres como o do Pará ocorriam e passavam despercebidos. A inflação não despencou porque o presidente é um gênio, mas porque muita gente ficou atazanando o Palácio do Planalto.
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A Câmara do Comércio Brasil-EUA merece estátua em praça pública por desenvolver experiências educacionais em São Paulo. Está mostrando como é possível, com pouco dinheiro, reduzir evasão e repetência.

E-mail GDimen@aol.com
Fax (001-212) 873-1045

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