São Paulo, domingo, 12 de maio de 1996
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'Médico de família' dá plantão em favela

XICO SÁ
ENVIADO ESPECIAL A PERNAMBUCO

A dona-de-casa Rosângela Alves dos Santos, 30, sem renda familiar, moradora do Jardim Brasil 5, em Olinda, tem um privilégio incomum para uma favelada: os seus quatro filhos são atendidos em casa por médicos e agentes de saúde.
Rosângela mora em uma área miserável. Foi lá na sua vizinhança que catadores de lixo teriam comido carne humana -sobras de dejetos hospitalares- em 1994. "Foi verdade, eu me lembro", diz ela.
Hoje Rosângela é atendida pelo Programa Saúde da Família, tocado pela Prefeitura de Olinda. Em seu barraco, recebe a visita constante de uma das 12 equipes compostas por um agente de saúde, uma enfermeira e um médico.
Com autonomia total, o município implantou o projeto desde o ano passado, consequência de uma política de saúde planejada a partir de 1993.
Nesse período, a prefeitura mapeou as áreas mais miseráveis da cidade para concentrar as suas ações preventivas. "Localizamos uma Olinda semelhante ao Haiti", diz a secretária de Saúde, a médica sanitarista Ana Paula Sóter.
Áreas de risco
Em visitas de barraco a barraco, 230 agentes de saúde buscam localizar nos mangues e arrabaldes de Olinda todos os recém-nascidos que correm risco de vida e podem ampliar as estatísticas de mortalidade infantil no país.
A marcação criança-a-criança é voltada para as áreas onde a renda familiar fica entre zero e 1,3 salários mínimos -essa geografia da miséria colocaria hoje em seu mapa um terço dos 360 mil habitantes do município.
O resultado nessas camadas tem sido a queda de até 50% no número de mortes de crianças.
Em algumas faixas da periferia, a mortalidade atingia, até 1993, índices "africanos" -136 mortes por 1.000 nascidos. Hoje, a Secretaria de Saúde estima uma redução pela metade.
O impacto desse trabalho entre os miseráveis já se reflete sobre os números gerais de mortalidade infantil em Olinda. A média do município caiu de 50 mortes por cada grupo de 1.000 (em 1992/93) crianças para as 18 mortes atuais.
Para tocar o seu projeto, a prefeitura investe apenas R$ 60 mil em gastos com pessoal (agentes, enfermeiros e médicos). O município recebe R$ 660 mil do SUS para gastar com todos as suas atividades.
Apoio alimentar
A falta de comida e de educação voltada para a saúde são as principais deficiências verificadas nas andanças dos agentes comunitários de saúde no Nordeste.
Em Olinda, as famílias que têm crianças na faixa de risco recebem auxílio também em alimentos.
O Programa de Saúde da Família atua em parceria com um centro de apoio a desnutridos, mantido com ajuda de ONGs (Organizações Não-Governamentais).
Instalado em uma pequena casa no Jardim Brasil 5, o centro recebe crianças em estado agudo de desnutrição. No centro, conseguem escapar da morte graças ao mais elementar dos remédios: comida.

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