São Paulo, domingo, 12 de maio de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Agente a cavalo derruba mortalidade de crianças

AURELIANO BIANCARELLI
ENVIADO ESPECIAL A ITAPIRAPUÃ (SP)

Ivoninha e seu cavalo Sabão são personagens de uma história real que vem salvando crianças nas serras do sudeste paulista.
Em Itapirapuã Paulista, na divisa com o Paraná, a mortalidade infantil caiu de 83 por mil em 1989 para uma taxa de 10 por mil, igual à de países europeus. A região é uma das mais pobres do Estado.
Derrubar esses números está custando US$ 6,45 por criança/mês, aí contados o salário mínimo de Ivoninha e o aluguel de R$ 22,00 pagos pelo cavalo Sabão.
Todos os dias, Ivoninha percorre as trilhas do bairro rural de Capela de Jesus levando na mochila aparelho de pressão, termômetro, fita métrica, remédios e um caderno de notas. No seu roteiro, estão as casas de 55 crianças menores de 5 anos e de seis mulheres grávidas.
Soro caseiro
Seu trabalho é visitá-las uma vez por semana e anotar nas fichas o peso, as medidas, as diarréias e as tosses que tiveram. E ensinar às mães cuidados básicos como ferver água, lavar verduras e preparar o soro caseiro.
Maria Ivonete Sarti, 32, a Ivoninha, é um dos 13 agentes de saúde treinados e contratados para um programa de prevenção implantado há dois anos em Itapirapuã, município de 3.700 habitantes a 370 km a sudeste de São Paulo.
O projeto é de Juraci Almeida Cesar, 29, nascido no lugar, epidemiologista e hoje professor nas universidades federais do Rio Grande e de Pelotas (RS).
Em 1989, ele fez um primeiro diagnóstico da cidade. A mortalidade até um ano de idade era de 83 por mil crianças, quase o dobro da média do país.
"Notamos que 80% das crianças de até 5 anos tinham tido diarréias e infecções respiratórias", diz o médico. "Era fácil prevenir."
Ele fez um projeto de dois anos com patrocínio da Unicef e obteve US$ 30 mil anuais do Estado.
Os agentes foram treinados, e todas as crianças de até 5 anos foram cadastradas. Com os dados no computador, Cesar determinava as ações de campo.
Todas as crianças com diarréia passaram a receber soro caseiro, e a cobertura de vacinação atingiu 99,4%. Só uma criança menor de um ano morreu nesse período.
Somados os gastos, o projeto custou US$ 6,45 por criança. "Em nenhum país do mundo as crianças são visitadas toda semana."
Casa de troncos
Segundo o médico, depois que o SUS passou a pagar às prefeituras R$ 2,05 por visita feita por um agente, o programa passou a ser auto-sustentável.
A cidade evitou cinco mortes e 28 internações em um ano. Só em internações, o programa economizou para o SUS R$ 8.960,00.
Em sua casa de troncos a 19 km da cidade, com cômodos separados por faixas de campanhas eleitorais, Ester Aparecida Fortes Cavalheiro, 31, acha que os agentes de saúde são "uma bênção de Deus". Nenhum dos seus cinco filhos morreu, e o último deles nasceu em um hospital. "Nunca fui tão bem cuidada."
O projeto só não foi além por conta da pobreza da região. Em 89, 35% das crianças apresentavam desnutrição de moderada a grave. Hoje, as desnutridas ainda são 25%.

Texto Anterior: Recém-nascidos têm "Diploma de Vida"
Próximo Texto: Angatuba 'importa' médico e enfermeiro cubanos
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.