São Paulo, domingo, 12 de maio de 1996
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Peça em Londres discute nazismo

IGOR GIELOW
DE LONDRES

A discussão sobre as responsabilidades dos envolvidos no Holocausto e na Segunda Guerra Mundial voltou ao topo da agenda cultural no Reino Unido. Sete livros foram lançados sobre o assunto no último semestre em Londres e uma peça de teatro, que estreou sábado retrasado, trouxe nova luz (e dúvida) ao tema.
"Nuremberg War Crimes Trial" (O Julgamento de Nuremberg dos Crimes de Guerra), em cartaz no Tricycle Theatre, é uma edição de depoimentos do tribunal de Nuremberg, quando alguns dos principais líderes nazistas foram julgados em 1946 na cidade homônima na Alemanha.
Embora seja um espetáculo cansativo, com quase três horas, "Nuremberg" coloca em xeque o objetivo principal daquele que foi o primeiro julgamento de crimes contra a humanidade da história: evitar que os delitos se repetissem.
Para lembrar o espectador desse fracasso específico, são apresentadas pequenas historietas antes do texto principal -sobre a ex-Iugoslávia, o Haiti e Ruanda. Fracas, elas quase comprometem a qualidade principal do espetáculo, a objetividade.
O texto nada mais é que uma reunião de depoimentos de Hermann Goering (chefe da Força Aérea e segundo homem do Reich), Wilhelm Keitel (chefe do Alto Comando das Forças Armadas), Alfred Rosenberg (ideólogo do nazismo e ministro dos territórios ocupados do Leste) e Albert Speer (arquiteto de Hitler e ministro dos Armamentos). A edição, feita pelo jornalista Richard Norton-Taylor, inclui também o depoimento do comandante do campo de extermínio de Auschwitz, Rudolf Hoess. Todos, à exceção de Speer, foram condenados à morte.
A peça mostra basicamente as desculpas dadas por cada um (obediência à hierarquia, falta de conhecimento dos horrores etc.). É o depoimento de Speer (que cumpriu 20 anos de cadeia) que mais contribui para a atual discussão. Ele diz que apenas poucas tropas especializadas sabiam dos crimes, uma improbabilidade histórica. Porém, argumenta o arquiteto, a modernização da Alemanha e a associação entre ditadura política e culto à técnica são culpadas pelos horrores. Cabe às futuras gerações, diz, evitar sua repetição.
Speer -que foi tema de um documentário da rede BBC na última segunda-feira e de uma discutida biografia lançada no final do ano passado pela historiadora Gitta Sereny ("Albert Speer: His Battle With Truth")- crê que todos os alemães são coadjuvantes deste processo de extermínio. Mas, afirma, coadjuvantes isentos de culpa, por não saberem do resultado final de sua colaboração.
Além da repetição do erro -ex-Iugoslávia, por exemplo-, a peça também deixa um travo incômodo para o espectador. E os outros crimes?
Stalin e suas notórias atrocidades só foram a julgamento aberto com a glasnost. Na China atual, os interesses comerciais ocidentais se sobrepõem às dúvidas éticas sobre o regime de Pequim.
Na semana passada, veteranos britânicos foram à imprensa londrina defender o bombardeamento de Dresden, na Alemanha. Em 13 de fevereiro de 1945, com a guerra já ganha pelos aliados, 35 mil civis alemães morreram sob bombas lançadas por 796 quadrimotores Lancaster.
"Não sabíamos que a guerra estava no fim. Não foi culpa dos pilotos", disse à "Bomber Command News" (revista especializada sobre aviação militar) sir Ivor Broom, 76, que participou do ataque.
A discussão sobre as culpas, 50 anos depois do fim da guerra, parece longe de acabar. Assim como as dúvidas e inquietações que traz à consciência.

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