São Paulo, domingo, 12 de maio de 1996
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Avião de Santos-Dumont vai decolar em São Paulo

FERNANDO DE BARROS E SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Imbuído do mesmo espírito aventureiro que pautou a vida de Alberto Santos-Dumont (1873-1932), um grupo de cinco militares da Aeronáutica e um aviador civil quer colocar no ar uma réplica fiel de uma das engenhocas criadas pelo primeiro aviador brasileiro, há quase um século.
O projeto, inédito no país, está sendo tocado no Parque de Material Aeronáutico de São Paulo, no Campo de Marte (zona norte de São Paulo), onde o grupo está construindo um novo Demoiselle nº 20, avião que Santos-Dumont fabricou em 1909, na França, e com o qual chegou a voar algumas vezes sobre Paris.
Se tudo der certo, a cópia da Libélula, como foi batizada pelos franceses em função de sua semelhança com o inseto, decola do Campo de Marte no dia 23 de outubro -o Dia da Aviação-, quando há 90 anos, em 1906, Santos-Dumont punha pela primeira vez no céu parisiense o seu 14-Bis, que voou por cerca de 60 metros, a uma altura de dois a três metros.
A idéia de fazer voar um aviãozinho oito vezes menor que o 14-Bis, com oito metros de comprimento, envergadura (distância de uma asa a outra) de 5,6 metros, feito com bambu, alumínio usado em bicicletas e um motor semelhante ao do Fusca, não entusiasmou até agora nem a própria Aeronáutica.
O grupo de militares, todos responsáveis pela manutenção de aviões da Força Aérea Brasileira, foi autorizado a construir sua Demoiselle fora dos horários de serviço, sem ajuda financeira ou qualquer outro apoio.
Trabalhando sem dinheiro, os "herdeiros" de Santos-Dumont vão montando a aeronave na base do jeitinho.
Conseguiram da Volkswagen a doação de um motor de Fusca de quatro cilindros, que já seccionaram ao meio para transformá-lo num motor de dois cilindros, muito semelhante ao modelo Darracq, usado por Dumont.
O Instituto Agronômico de Campinas (IAC) também forneceu ao grupo um tipo de bambu semelhante à cana-da-índia, usada no original, depois de pesquisar entre as 1.200 espécies existentes.
A supervisão técnica do projeto é do capitão Francisco Domingues, engenheiro formado pelo ITA (Instituto Tecnológico da Aeronáutica).
Para garantir a segurança do vôo, Domingues está fazendo uma versão miniaturizada do Demoiselle, usando a mesma escala dos sete desenhos do aparelho, publicados numa revista especializada em aeronáutica em 1910.
Aeromodelo
Com o modelo miniaturizado pronto, Domingues pretende arremessá-lo com as mãos. "Se ele voar durante um certo tempo, o grande também vai voar. Quem conhece aerodinâmica sabe que este é um teste seguro", afirma o capitão. "Além disso, no modelo grande o piloto pode corrigir o vôo, no pequeno não há piloto", completa Domingues.
O piloto que deverá dirigir o Demoiselle, Jarbas de Barros Domingues, primeiro idealizador do projeto, diz não ter medo de ser a cobaia da invenção.
"Em 1909 esse troço voou e ninguém se matou", afirma Jarbas. "A sensação é de entusiasmo e expectativa, como ir ao motel pela primeira vez", explica o piloto.
Mostrando ser o mais entusiasmado com a aventura, o sargento Julio Philot, outro integrante do grupo, brinca com Jarbas: "Ele vai ser a cobaia da geringonça".
Quem não confia muito no sucesso aéreo do novo Demoiselle é o major-aviador Darcy Pereira Leite, superior dos militares envolvidos no projeto.
Segundo Philot, o objetivo é fazer com que o Demoiselle voe em 23 de outubro de forma segura, "sem testar a sua capacidade máxima e sem exibicionismos que coloquem em risco a vida do piloto".
O percurso a ser feito ainda provoca discussão entre os idealizadores. O capitão Domingues prevê um vôo curto, de cinco minutos, decolando e pousando no Campo de Marte. Philot acredita ser possível e seguro decolar de Congonhas e pousar no Campo de Marte.
Santos-Dumont construiu quatro Demoiselles entre 1907 e 1909. Chegou a voar 18 km com um deles. A velocidade recorde foi de 96 quilômetros por hora -percorreu oito quilômetros em cinco minutos a uma altura de 60 metros.
Logo depois cogitou atravessar o canal da Mancha a bordo do aparelho, mas foi demovido da idéia por um amigo, segundo quem a engenhoca "mais parecia um brinquedo que um avião".

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