São Paulo, terça-feira, 14 de maio de 1996
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Filme inglês provoca furacão em Cannes

AMIR LABAKI
ENVIADO ESPECIAL A CANNES

Um furacão varreu Cannes ontem: "Trainspotting" de Danny Boyle. Explica-se por que a crítica britânica o elegeu como o filme da década e o público já o tornou a sexta maior bilheteria já alcançada por um filme inglês. O que ninguém explica é por que ele não participa da competição oficial.
Pouco importa. "Trainspotting" é o berro de uma geração desesperada. Impossível ceticismo maior. Se não há mais socialismo, as utopias morreram, desemprego é norma e a proteção social está marcada para morrer, o que resta é botar para quebrar.
Imagine um cruzamento de "Laranja Mecânica" com "Kids". É por aí. Cinco "junkies" (drogados) detonam Edimburgo. Um deles é o narrador. É Renton (Ewan McGregor), um viciado-filósofo. "Escolhi não optar pela vida. Razões? Quem precisa de razões quando tem a heroína?".
Spud (Ewen Bremner) é o "junkie" amigável. Os baratos de Begbie (Robert Carlyle) são álcool e violência. Sick Boy (Jonny Lee Miller) topa todas e é obcecado por Sean Connery. Iggy Pop é o ídolo do a princípio inocente Tommy (Kevin McKidd).
Os quatro mosqueteiros de Edimburgo desconhecem limites. Querem tudo e já. Assaltam asilos de velhos. Deixam o bebê de uma amiga morrer. Transam e se drogam sem qualquer proteção. "Nunca é o bastante", resume Renton.
Alguns se dão bem, outros, mal. "Trainspotting" não julga nada e ninguém. Cada um que tire as próprias conclusões.
Best seller
A origem de tudo é um best seller de Irvine Welsh. O trio de "Cova Rasa" (Shallow Grave) assina a adaptação. Danny Boyle dirige, John Hodge escreve e Andrew MacDonald produz. A estréia promissora parece exercício escolar se comparado a esse segundo filme.
O título é de difícil tradução. "Trainspotting" significa tanto o hábito de observar o movimento dos trens, um esporte nacional britânico, quanto, em gíria, a vida de desocupados, vagabundos. Veremos como será em português.
Tomara que não demore para desembarcar no Brasil. É uma raríssima injeção de adrenalina no cinema contemporâneo. Um filme seco, sucinto, elétrico. Não traz qualquer inovação formal mas tem um frescor e uma contundência raras hoje em dia. Tarantino é passado.
"Trainspotting" não precisa de uma Palma de Ouro. É um fenômeno em si. Cannes-96 será lembrada por ele. Acabou a espera.

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