São Paulo, quarta-feira, 15 de maio de 1996
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Testemunha-chave revela detalhes da morte

CRISTINA GRILLO
DA SUCURSAL DO RIO

Testemunha da morte de Carlos Marighella, líder da ALN (Ação Libertadora Nacional), o ex-frei dominicano Yves do Amaral Lesbaupin, 49, diz estar sendo "doloroso" relembrar os fatos que levaram à morte do guerrilheiro em novembro de 1969.
O depoimento de Lesbaupin, que deixou a ordem dos dominicanos em 1977, é uma das peças principais do dossiê sobre a morte do guerrilheiro, entregue ontem na Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos.
Ontem pela manhã, Lesbaupin deu a seguinte entrevista à Folha:
Folha - O que o senhor viu na noite de 4 de novembro de 1969?
Lesbaupin - Marighella chegou a pé e sozinho. Ele veio da calçada, entrando na rua pela esquina (das alamedas Casa Branca e Lorena). Eu o vi atravessando a rua. O carro que nos levou ao local foi o Fusca azul, o mesmo onde Marighella foi encontrado, e não um carro do Dops. Esse Fusca azul era usado nos contatos com ele.
Folha - O sr. sabia que o carro estava com os policiais?
Lesbaupin - Não tenho certeza. Nós (Lesbaupin e o frei Fernando Brito, também dominicano) fomos presos dia 2 no Rio. O convento de Perdizes (em São Paulo) foi invadido no dia 3. Aí eu acho que pegaram o carro, que estava lá. Folha - Muitos militantes da ALN souberam da prisão. Como, mesmo assim, Marighella foi ao encontro?
Lesbaupin - Nós estranhamos isso. Não fomos só nós os utilizados para pegá-lo. Teve algo mais. Quando eles pegavam alguém, usavam essa pessoa desde o primeiro momento, mas nós fomos pegos no domingo e Fernando só foi levado para a livraria Duas Cidades (onde recebia os telefonemas de Marighella) na terça à tarde. O que nós podíamos informar à polícia sob tortura? Que a gente tinha contatos, que o contato era feito naquele lugar, como era feito o telefonema. Mas não podíamos dizer quando ele ia nos ligar, porque não sabíamos. No domingo à noite, depois das torturas, eles insistiram muito em que íamos ter um contato logo. Como eles sabiam se eu não sabia? Alguém sob tortura pode ter falado.
Folha - Como foi a operação?
Lesbaupin - Era uma baita operação. De noitinha, fui levado para o andar onde eram feitos os interrogatórios. Muitos policiais, agitação total. Era por volta das 19h. Fleury rodava de um lado para o outro. Saímos todos ao mesmo tempo. Depois soubemos que eram cerca de 40 policiais.
Folha - Quando ele apareceu, o que aconteceu?
Lesbaupin - Eu o vi se aproximando. Nessa hora, os caras abriram a porta do lado do carona e nos puxaram para fora. Foi nesse momento que os tiros começaram. Teve algum grito dos policiais para ele. Não sei o teor, mas foi questão de um segundo antes de começarem a atirar. Durou algum tempo. Tiros, muitos tiros. Aí ouvi a voz de Fleury, dizendo que havia acabado.

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