São Paulo, quarta-feira, 15 de maio de 1996
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Governo teme perder apoio político se adotar medidas contra usinas

CLÓVIS ROSSI
DO CONSELHO EDITORIAL

O governo federal prefere não contrariar os usineiros da cana-de-açúcar que fazem parte de sua bancada de apoio a adotar medidas para eliminar o trabalho infantil na colheita da cana.
Essa constatação foi exposta, de forma pouco velada, pelos articuladores políticos do presidente Fernando Henrique Cardoso às entidades que estão fazendo uma bem sucedida cruzada para evitar o uso de mão-de-obra infantil em vários setores da economia.

Abrinq
Por isso mesmo, o presidente da Fundação Abrinq pelos Direitos da Criança, Oded Grajew, enviou ontem carta ao presidente da República, para cumprimentá-lo pelo lançamento do Programa Nacional dos Direitos Humanos (PNDH). O programa de FHC foi tornado público oficialmente anteontem no Palácio do Planalto.
Na carta, Oded insiste na adoção imediata de "uma medida prática, com imenso impacto social".
O presidente da fundação lembra que o governo federal, por intermédio da Petrobrás, é o único comprador do álcool produzido pelas usinas e, portanto, "tem a faca e o queijo na mão para fazer valer o cumprimento da lei".

SP já fez
A omissão da área federal ficou mais chocante, para as entidades envolvidas na campanha, pelo fato de o governo paulista ter aderido à cruzada contra o trabalho infantil.
No dia 9 de abril, o governador do Estado, Mário Covas (PSDB), assinou o "pacto pela erradicação do trabalho infantil no setor sucroalcooleiro".
O pacto lembra, aliás, que há uma lei federal (Estatuto da Criança e do Adolescente) que proíbe o trabalho de menores de 14 anos.
Os usineiros paulistas se comprometeram a respeitar tal lei, ao contrário do que acontece na maioria dos Estados do Nordeste, também produtores.

Em Pernambuco
O Centro Josué de Castro (PE) calcula que haja cerca de 60 mil crianças trabalhando na colheita de cana, só na Zona da Mata, principal região produtora em Pernambuco.
A cruzada contra o trabalho infantil começou com o levantamento de quatro setores que mais o utilizavam.
Eram, além da cana-de-açúcar, a fabricação de calçados, a colheita de laranja para a indústria de sucos e as carvoarias, cujo produto, uma vez transformado, entra na composição, por exemplo, de peças para a indústria automobilística.
Esta foi a primeira a ceder às pressões, até porque são multinacionais em cujos países de origem é inaceitável o trabalho infantil.

Volks e GM
A Volkswagen e a General Motors comprometeram-se a impor cláusula contratual a todos os seus fornecedores, pela qual estes se obrigam "a não empregar, e nem de qualquer outra forma utilizar, mão de obra infantil em desacordo com a legislação vigente, em qualquer etapa do processo de produção de material".
A Fundação Abrinq informa que a Scania (localizada na região do ABCD paulista) e a Volvo (situada na área industrial de Curitiba, PR) tomarão idêntica providência nos próximos dias.

Falta a Petrobrás
Depois, veio o setor da laranja. No próximo dia 28, a Abecitrus (Associação Brasileira dos Exportadores de Cítricos) assina protocolo de intenções em apoio ao processo de erradicação do trabalho infantil na cadeia produtiva.
Por fim, em Franca (401 km ao norte de São Paulo), principal centro produtor de calçados no Estado governado por Covas, as empresas locais criaram o "Pró-Criança", cujo primeiro compromisso é "intervir na cadeia produtiva, visando eliminar o trabalho infantil nos insumos e serviços terceirizados".

Falta a Petrobrás
Falta agora a Petrobrás, cuja ação está bloqueada, segundo a Fundação Abrinq, exclusivamente pelas conveniências políticas do governo que não quer desagradar usineiros que são parlamentares ou que financiam campanhas eleitorais de integrantes da base de apoio governista.

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