São Paulo, quarta-feira, 15 de maio de 1996
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O negócio do sábado

JANIO DE FREITAS
O NEGÓCIO DO SÁBADO

As conclusões preliminares da Procuradoria da República no caso do Banco Nacional já consideram ter havido, por parte dos dirigentes do Banco Central, crime de prevaricação e improbidade administrativa. O relatório final só aguarda que a diretoria do BC mande à Procuradoria as informações que está por responder desde 18 de março.
O procurador José Leovegildo Oliveira Morais levantou "os atos e fatos jurídicos verificados no dia 18 de novembro de 95, sábado", uma lista que começa por uma edição extra do "Diário Oficial" para publicar uma medida provisória que beneficiou, imediata e diretamente, os acionistas controladores do Nacional, os Magalhães Pinto. A lista, por si só, já diz tudo do que foi aquela operação beneficente.
"Não é crível que num sábado", diz o "relatório preliminar" da Procuradoria para a Câmara, "se tomasse conhecimento de uma edição extra do D.O. e, com base em medida provisória nela publicada, fossem praticados os seguintes atos: o presidente do Nacional apresentar pedido de decretação do Raet (intervenção), o Bacen (Banco Central) analisar o pedido e decretar o regime solicitado; em seguida, o presidente do Unibanco tomar conhecimento da MP e do ato de decretação do Raet, preparar proposta de aquisição de parte do Nacional, já dentro das novas normas (as da MP emitida naquela dia) e apresentá-la ao Bacen; este receber a proposta, reunir sua diretoria, analisar a proposta e deliberar sobre a mesma, determinando todas as diretrizes a serem seguidas, inclusive com análise dos valores que envolvem a operação, que certamente demandavam análise dos setores técnicos do Bacen."
Entre as deliberações do BC no sábado de produtividade miraculosa, o procurador detém-se na que determinou ao Nacional a compra de títulos possuídos pelo Bradesco, o Itaú e o Unibanco. "Caso se tratasse uma situação de que o Bacen só tomasse conhecimento naquela data (pela carta do presidente do Nacional), como poderia saber que as aquelas instituições tinham em disponibilidade tais créditos (os títulos), nos montantes em que foram negociados e que desejavam vendê-los com deságio (abatimento) de 50% do valor de face. Essa informação não consta da proposta do Unibanco nem do pedido de intervenção do Nacional e, obviamente, não poderia ser objeto de adivinhação. Ressalte-se que o Bacen não poderia impor uma medida dessa ordem sem a concordância das instituições (os bancos vendedores) envolvidas". E era um sábado, tudo isso no sábado.
Nada mais justo do que o descanso no domingo, mas já segunda-feira deixou outro elemento importante para o estudo da Procuradoria: "Se as informações disponíveis no Banco Central fossem apenas as constantes da carta do presidente do Nacional, em que aponta problemas de liquidez, como pôde o Bacen liberar, logo na segunda-feira seguinte, mais de R$ 2 bilhões, se tinha tomado conhecimento da situação apenas no sábado anterior?"
As conclusões começam a saltar das evidências: "Os dados acima conduzem à seguinte ordem de presunção: o Bacen, anteriormente ao dia 18.11.95 (sábado da intervenção no Nacional) devia ter pleno conhecimento da situação de insolvência desse banco. Todavia, em face das negociações que sendo tratadas com o Unibanco, deve ter acordado com as partes envolvidas, Nacional e Unibanco, para que os atos referidos (pedido de intervenção, proposta de compra e outros) só fossem apresentados e implementados após a publicação da MP 1.182, de molde a permitir o enquadramento da operação nas disposições desse ato legal".
O Banco Central teria deixado, assim, de adotar os procedimentos que lhe competiam antes da MP, o que a lei 8.429/92 caracteriza como improbidade administrativa: "retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício". E, diz ainda o relatório, "com o gravame de que, dessa omissão, possa ter resultado prejuízo para o erário e até mesmo favorecimento das partes envolvidas. A confirmação da hipótese acima aventada conduzirá, inexoravelmente, à conclusão de que o Bacen teria informado aos representantes do Nacional e do Unibanco o teor da MP que estava em gestação, a qual influiria diretamente no negócio de fusão das duas instituições que estava em andamento, já que tal medida proporcionaria, como de fato proporcionou, a transferência apenas de parte (a chamada parte podre) do patrimônio da instituição ilíquida. Neste caso, ficaria configurada a incidência do art. 319 do Código Penal:
"VII - Revelar ou permitir que chegue ao conhecimento de terceiro, antes da respectiva divulgação oficial, teor de medida política ou econômica capaz de afetar o preço de mercadoria, bem ou serviço."
Só o que existe no parecer preliminar já indica o quanto haveria a investigar na CPI que o governo não quer, vê-se por que, e uma corrente de deputados batalha por instaurar na Câmara.
Obediência
Em mais uma decisão sábia, o diretor de redação da Folha me mandou estudar outras colunas, no exterior, para ver se esta aqui melhora um pouco. Durante alguns dias, alegremente constrangido, e sem crer em melhoria, estarei na Grécia examinando as colunas jônicas, áticas, dóricas e outras que se apresentem.

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