São Paulo, quarta-feira, 15 de maio de 1996
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Previdência Social: reforma ou remendo?

CLOVIS DE FARO

Há males que vêm para bem. Sem entrar no mérito da questão legal, o fato de ter ficado temporariamente paralisada a votação da proposta governamental de mudanças na Previdência Social pode vir a ser considerado benéfico.
Isso porque, reconhecida a necessidade de mudanças, deve-se propor uma efetiva e duradoura reforma e não um mero paliativo, que mais se afigura como um provisório remendo.
Com efeito, tal como votada em primeiro turno na Câmara, a proposta do governo, embora um passo na direção correta, é extremamente tímida, não resolvendo o inexorável e crescente desequilíbrio das contas previdenciárias.
Mantido o atual esquema de repartição, baseado em suposto pacto intergeracional, no qual as contribuições dos que hoje trabalham no setor formal da economia sustentam os benefícios que são pagos ao contingente corrente de aposentados e pensionistas, o desequilíbrio tende a agravar-se.
O observável fenômeno de queda da natalidade, combinado com o aumento da expectativa de vida dos que alcançam a idade de aposentadoria, traz como resultado a queda na razão entre o número de contribuintes e o de beneficiários.
Hoje, ela já alcança o perigoso patamar de 2,5, tendo sido de cerca de 30 em 1940. Isso acarreta, como consequência de sua redução, a necessidade de aumento de alíquotas de contribuição e/ou de diminuição no valor dos benefícios.
Como tais medidas, por razões óbvias, não podem ser indefinidamente implementadas, o resultado é um aumento do déficit das contas governamentais.
Por oportuno, devemos ressaltar uma outra agravante de nosso sistema de repartição, ilustrado nas recentes atualizações do salário mínimo e dos benefícios.
Dado que os valores dos benefícios são baseados em uma média que contempla somente os últimos 60 meses de contribuição, não só deixa de existir vinculação entre o valor do benefício e a totalidade das contribuições de um dado indivíduo como, por força da atual Constituição, deve ser mantido o poder de compra do benefício.
Ou seja, formalmente, temos, o que é atuarialmente indesejável, um sistema de benefícios definidos. Tal fato tem gerado a esdrúxula e financeiramente incompatível experiência de reajustes dos benefícios em percentuais superiores aos dos salários de contribuição.
Adicionalmente, temos o problema da economia informal. O fato de não haver uma total vinculação entre contribuições e benefícios constitui-se em um incentivo adicional à não-formalização.
Além de ser factível que um indivíduo possa ser aposentado por idade sem nunca ter contribuído, há ainda a possibilidade de, no atual esquema de aposentadoria por tempo de serviço, só passar a ter interesse em contribuir à Previdência com o valor máximo nos últimos cinco anos de sua vida útil.
Uma reforma duradoura deve ser baseada em dois princípios básicos: aposentadoria por idade e com estreita vinculação entre o total de contribuições e o valor do benefício.
No jargão dos atuários, a Previdência Social deve ser baseada no regime de capitalização e com contribuições definidas. Caberia à sociedade complementar a renda daqueles que não consigam acumular o suficiente para prover um certo padrão mínimo como aposentado, o que hoje já acontece em termos de salário mínimo.
A própria necessidade de existência de contas individuais inibirá as inúmeras fraudes hoje observadas e será fator de incentivo à redução da economia informal.
Aproveitando a trégua causada pela suspensão judicial da mudança, o governo bem poderia passar do remendo a uma verdadeira reforma. Há que se enfrentar a questão -espinhosa, é verdade, por ser custosa- da transição. Nesse ponto, havendo vontade política, pode ser interessante lançar mão de esquemas que têm sido apresentados nos meios acadêmicos.

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